Sociedade das Sombras: Beijo Eterno

Titulo do capítulo: Capítulo 1

Autor: Mille Meiffield

Prólogo


A dor era lancinante. Acordei em meio ao forte sol do deserto um pouco tonta e desorientada. Tentei me levantar, mas minha visão turva e minha mente confusa me fizeram cambalear. Uma figura disforme que poderia ser uma pessoa, vestida com uma capa negra que cobria todo o seu corpo avançava em minha direção. Senti um aperto no peito, um medo aterrador tomou conta de mim e tentei me levantar novamente. Olhei para trás e vi que um SUV preto, todo distorcido, pegava fogo. Minha cabeça doía terrivelmente. Voltei a olhar para frente e vi que aquele vulto se aproximava cada vez mais. Tentei me levantar mais uma vez, mas a dor aguda dos


meus ferimentos fez com que eu caísse. Um líquido quente e viscoso escorreu pelo meu rosto vindo do alto de minha cabeça, passei a mão e vi uma enorme mancha de sangue sobre meus dedos. Eu estava dentro daquele carro. Era o carro dos meus pais!

Um turbilhão de imagens do acidente voltou à minha mente e uma forte dor de cabeça me fez perder o controle da minha mente, foi aí que senti meu corpo pesado demais e minhas pernas fraquejaram. Minha visão foi ficando cada vez mais turva e o mundo sumiu para mim.

 

*** 

Despertei do que parecia ter sido um sono profundo. Abri os olhos lentamente e percebi que minha visão estava meio turva. Pisquei algumas vezes, tentando ganhar foco e enxergar direito. Levantei minhas mãos e cocei os olhos metodicamente. Eu estava em um quarto de hospital. Uma agulha invadia uma veia em um dos meus braços, havia fios presos em várias partes do meu corpo, inclusive na cabeça. Meus músculos tesos doíam em vários pontos.

 Ouvi um “clic” na maçaneta da porta e ela se abriu.

– Litza! – minha irmã me chamou tão alto que me assustou. –Você está bem? Já acordou há muito tempo?

–  Oi Wendy. Eu estou bem sim. – Seu olhar era de uma felicidade inexplicável. –  Anh? ... Onde eu estou? ... O que houve?

Não sei o que eu disse, mas os olhos de minha irmã se encheram de lágrimas. Ela me abraçou por um longo período e chorou. Wendy me pedia perdão e dizia que tudo ia acabar bem, mas eu não entendia nada.

– Wendy, o que está acontecendo? Você não está falando coisa com coisa. –  Eu disse confusa ao ouvir Wendy falar entre lágrimas.

– Você não se lembra de nada do acidente? –perguntou

– Que acidente? –  Perguntei ansiosa

– Você sabe que dia é hoje Litza?

– Meu aniversário? – indaguei confusa

– Não. Hoje é quatorze de abril.

– Não Wendy, hoje é vinte e sete de março, meu aniversário. E onde estão a mamãe e o papai? Por que eu estou em um hospital?

– Eles...Desculpa... Eu...

Wendy começou a chorar copiosamente e saiu correndo do quarto. O quebra-cabeça estava montado agora. As lembranças voltaram num flash e eu gritei com a forte dor de cabeça que veio com elas. Me lembrei do acidente e que meus pais ainda estavam no carro quando ele explodiu. Meus pais morreram por minha culpa e Wendy só estava viva porque ela havia brigado com a nossa mãe e não quis atravessar o estado conosco, para comemorar meu aniversário no Dalle´s Dinner, meu


restaurante favorito. Era tudo culpa minha. Eu só ainda não fazia ideia de que a minha tragédia particular chamada vida, estava apenas começando.
 

 

Capítulo 1

 

A voz de Wendy me despertou da fantasia por trás do livro que eu estava lendo.

– Litza, o Justin e a Trish já chegaram. Desce logo.

– Só mais cinco minutos. –  Respondi

O amor da minha vida e minha melhor amiga estavam aqui e a única coisa que tinha vontade de fazer era ficar aqui trancada, lendo, a noite toda. Me forcei a ficar de pé e mesmo desanimada peguei o meu jeans favorito e um suéter verde que combinava com a cor dos meus olhos, vesti, prendi meu cabelo, passei gloss e rímel, não queria que Justin me visse mal vestida, então me arrumei um pouco. Queria que ele reparasse em mim. Desci as escadas num átimo e fui me sentar ao lado de Trish, que como sempre já havia mudado a cor do cabelo. Semana passada ela usava um tom de laranja, hoje ela está com o cabelo azul.

– Essa cor ficou ótima em você – Eu disse

– Também achei, mas o Justin disse que eu fiquei parecida com as bruxas de Salém. – disse Trish

– E ficou mesmo irmãzinha – disse ele sarcástico se sentando ao meu lado no sofá. –  Deixa de ser chato, Justin. Ela está linda sim. – Retruquei

– E você também está pequena flor– de– liz.

Seus olhos prenderam os meus e fiquei sem fala. O calor do seu olhar me prendia com um magnetismo instigante.

–  O jantar já está pronto. – disse Wendy retornando da cozinha. –Trish, você me ajuda a pegar os pratos e os talheres? Litza e Justin devem querer conversar um pouco a sós.

– Eu te ajudo Wendy. – disse eu revirando os olhos para a trivialidade com que minha irmã tentava conduzir a situação.

– Litza, faça sala para meu querido irmãozinho enquanto eu ajudo a sua irmã – respondeu Trish. – É a sua chance de se dar bem Jay. – Sussurrou alto o suficiente para que eu escutasse.

Revirei os olhos para seu comentário e olhei para Justin, ou Jay como Trish e eu o chamávamos, seu olhar encontrou o meu e caímos na gargalhada. Era maravilhoso rir com ele. O jeito desastroso e nada sutil que Wendy e Trish sempre arrumavam para nos deixar a sós era divertido. Rimos tanto que a minha maravilhosa falta de ar asmática apareceu e eu tive que me controlar para não usar a bombinha. Justin tocou meu rosto deixando um rastro de calor por onde seus dedos passavam. Seu sorriso se intensificou quando olhei para ele.

– O seu sorriso é maravilhoso. – disse Justin olhando nos meus olhos.

– Obrigada. – agradeci ruborizada

– Litza, eu preciso muito falar com você sobre um assunto importante. – O tom de Justin era sério, porém tranquilo.

– Pode falar. Você sabe que não existem segredos entre nós.

– Litza, eu não sei muito bem como fazer isso, mas eu...

– Você? – indaguei o estimulando a continuar.

– O que você diria se eu te chamasse para sair?

– Como uma hipótese eu aceitaria na hora.

– E se fosse algo mais do que uma simples hipótese? – indagou fazendo “carinha de cachorro triste”.

– Acho que você precisaria tentar para descobrir.

Justin se aproximou ainda mais de mim, seu olhar sempre prendendo o meu. Seus lábios se aproximavam lentamente dos meus quando a voz de Wendy ressoou pela sala avisando que o jantar estava servido. Isso quebrou a bolha invisível que havia nos envolvido enquanto nossos hálitos se misturavam. Por alguns segundos ficamos sem nos mexer, apenas nos olhando.  Nos levantamos e fomos até a sala de jantar e me sentei ao lado da minha irmã. Tudo correu como de costume, rimos, brincamos, conversamos e nos divertimos a esmo. Nada poderia acabar com a nossa alegria naquele momento, nada a não ser, eu. Os risos, a boa conversa, aquela felicidade não me pertencia mais. Eu ainda vivia com os demônios daquele maldito acidente. O fogo, a dor dos ferimentos, a explosão do carro com meus pais dentro, toda aquela lembrança voltou rapidamente fazendo minha cabeça zunir de tanta dor. As imagens mais devastadoras da minha vida viviam rondando em minha mente, não permitindo que eu conseguisse seguir em frente. Lágrimas quentes rolaram por meu rosto enquanto eu gritava e saía correndo da sala de jantar, indo me refugiar sozinha na cozinha. 

– Ralitza, o que foi? – perguntava Wendy com seu tom mais carinhoso possível.

– Nunca mais me chama de Ralitza, meu nome é Litza. – Rosnei – Eu quero ficar sozinha.

– O que é isso? Você nunca falou assim comigo antes. Litza vc precisa ligar pra doutora Harmony, esses seus pesadelos acordada tem acontecido com muita frequência. – disse Wendy aparentemente chateada.

– Só a mamãe me chamava de Ralitza e mesmo assim quando a gente brigava, meu nome é Litza. – As lágrimas começaram a inundar meu rosto com mais intensidade – Nenhuma psicóloga no mundo vai fazer esses demônios desaparecerem da minha cabeça. – gritei com ela e me virei me apoiando no balcão da pia. Ficando de frente para a janela que dava para o quintal dos fundos. Tentei controlar a respiração e parar de chorar, mas estava assustada demais.

– Vão para a sala, eu fico aqui com ela. – Disse Justin às meninas.

– Ela.... Justin não deixou Wendy terminar a frase.

– Eu sei. – disse ele.

Eu chorava em silêncio quando Justin se aproximou vagarosamente e colocou as mãos nos meus ombros. Ele não disse nada. Apenas os massageou carinhosamente em um ritmo bem lento, tentando me fazer relaxar. Justin me entendia melhor que ninguém. Éramos amigos desde a segunda série do fundamental. Ele sempre foi meu porto seguro. Meu melhor amigo.

Ele me virou até que eu ficasse de frente para ele. Seus lábios estavam tão próximos dos meus que seu hálito me entorpecia. Ele secou minhas lágrimas com suas mãos e beijou o caminho que elas fizeram na superfície do meu rosto. Com uma doçura estonteante, seus lábios encontraram os meus e suas mãos deslizaram até a minha nuca. Respirei fundo ainda sentindo seu beijo, quando seus dedos se entrelaçaram em meus cabelos.

Gelei quando ele se afastou. Uma sensação de vazio me atingiu, mas consegui me controlar. Fitei seus olhos que também fitavam os meus e seus lábios se


retorceram na forma de um sorriso brincalhão. Eu sabia o que ele estava pensando. Tínhamos feito o que queríamos há muito tempo, mas o medo de nosso amor acabar com nossa amizade, fazia com que guardássemos nossos sentimentos.

Novamente Justin me beijou. Desta vez foi mais intenso, mais quente, era o meu Justin, meu melhor amigo, o amor da minha vida. Ele me abraçou forte, me levantou e me apoiou no balcão da pia. Na hora em que eu abaixei a minha mão direita para me apoiar, esbarrei numa tigela de alumínio que caiu fazendo um barulho estrondoso. Nesse momento, percebi que Wendy e Trish estavam nos espiando da soleira da porta e todos começamos a rir.

– Querido irmãozinho, finalmente, hein? –  disse Trish segurando uma gargalhada.

 – Uau! Litza, eu nunca imaginei que minha irmãzinha ia agarrar o gato da noite depois de uma crise de choro.

– Engraçado Wendy, é bem parecido como quando você ficou com o Brad.

– Será que vocês poderiam nos deixar um pouco a sós? –  Reclamou Justin.

–  Ok, Jay. Isso me lembra que eu sou mais velha que a Litza e estou vetando a agarração de vocês.

– Hahaha. Como você me faz rir. – Peguei um pano de prato e joguei nelas, fazendo com que recuassem e nos deixassem. Elas voltaram para a sala rindo de nós dois. 

A noite terminou com um clima agradável. Minha irmã e eu conversamos um pouco sobre o começo do meu namoro com Justin e fomos dormir.

A histeria que eu senti na hora do jantar, durou a noite toda. Pesadelos regados a sangue e fogo me atormentavam desde o acidente, mas esse em particular me aterrorizava como uma premonição. Aquela figura de capa negra que eu vi no deserto estava na minha casa e era ela que causava toda aquela destruição. Despertei atordoada e em meio a gritos. Alguns segundos apenas se passaram, quando Wendy, assustada, invadiu meu quarto acendendo a luz que feriu meus olhos ao seu toque.

–  Litza, o que houve?

– Desculpa ter te acordado. – Eu disse – Foi só um pesadelo idiota.

–  Eu realmente tenho ficado preocupada com esses pesadelos. – comentou Wendy – Você precisa voltar para a terapia, vai se sentir melhor.

–  Dessa fez parece diferente, Wendy, eu sinto como se algo muito ruim fosse acontecer, mas não sei o que.

–  Você só está muito assustada, tenta dormir um pouco, vai se sentir melhor amanhã.

–  Estou realmente assustada, mas acho que você está certa. Boa noite, Wendy.

– Tudo bem! Eu vou voltar a dormir agora. Ah... Não esquece que hoje a Trish vem dormir aqui e, por favor, não durma o dia todo.

Eu não tinha nem como responder. Wendy achava que esses pesadelos tinham a ver com o acidente, mas eu sabia que eram algo mais. Apenas assenti antes de ela ir embora. 

 ...               

 

Wendy e eu esvaziamos o centro da sala de estar e fomos para a cozinha preparar o lanche da noite das meninas. Separamos filmes, música e colocamos nossos colchonetes no chão com nossos cobertores por cima. Não demorou muito e a campainha tocou. Fui atender e me surpreendi com um lindo buquê de tulipas vermelhas e um cartão aberto na frente. Atrás das flores tinha um homem lindo, com quase dois metros de altura, olhos verdes, cabelos claros e pele branca, apenas com um leve bronzeado do sol.

                – Oi, Justin. – Eu disse corada – E a Trish?

                – Bom te ver também.

                – Para com isso, você sabe que eu sou tímida. Preciso me acostumar com a ideia de estarmos juntos.

                – Eu sei, mas ficar corada porque está falando com o namorado não tem sentido. – Justin me puxou pelos braços e me beijou. –  A Trish está no carro pegando alguns mini quiches que ela fez. –  Disse ele assim que nossos lábios se separaram.

                Ele me beijou de novo. Seus lábios eram tão doces e ardentes que cada beijo que ele me dava, me levava ao paraíso. Era como se eu pisasse em nuvens.

                –  Desculpe interromper, mas isso aqui está pesado – Disse Trish apontando para uma bandeja repleta de mini quiches que ela trazia equilibrada em seu braço direito. 

                Entramos e ficamos conversando por volta de trinta minutos, o que fez com que minha irmã e Trish ficassem de cara feia e praticamente expulsassem Justin, afinal, era a noite das garotas.

                Para evitar a hostilidade, Justin e eu fomos para a cozinha conversar, enquanto Trish e Wendy assistiam a um filme de terror na sala. Eu aproveitei para lavar a louça e Justin me ajudou a secar. Terminado o último prato, subimos as escadas e fomos para o meu quarto. Eu sabia o que ele queria, porque também era o que eu queria. Ofegantes, nos deitamos na minha cama. Suas mãos percorreram minha silhueta e estacionaram em meus seios. Seus lábios deixaram minha boca para roçarem em meu pescoço, deixando todos os pelos do meu corpo eriçados. Ele tirou a camisa e eu arranhei suas costas levemente. Ouvi seu gemido de dor e prazer. Nem acredito que estamos a um passo de sermos um do outro. Não imaginei que esse dia fosse chegar tão rápido.

                – Espera! – disse num tom grave. – Desculpa Jay, eu quero, de verdade, mas não sei se é a hora certa.

                – Litza, eu te amo. Não estou te cobrando nada. Eu espero o tempo que for necessário para isso, a única coisa que me importa, é estar ao seu lado.

                – Eu também te amo.

                Justin colocou a camisa e nos deitamos abraçados, de frente um para o outro. Não precisávamos de palavras. Nossos olhares já diziam tudo o que queríamos dizer. Estávamos sorrindo um para o outro, as mãos dele acariciando minha nuca. Era prazeroso estar em seus braços. Seu sorriso me fazia sorrir. Estávamos quase cochilando quando um grito pavoroso ecoou pelas paredes do quarto. Nos levantamos subitamente e corremos para a sala. Wendy estava encolhida no sofá, tremendo. Seus olhos estavam arregalados e ela olhava fixamente para a entrada do hall que separava a sala e a cozinha. Instintivamente, Sammy e eu nos viramos e vimos o corpo de Trish exangue no chão. Ele correu para abraçar o corpo sem vida da irmã. Havia pavor nos seus olhos. Fui até o sofá, segurei minha irmã pelos braços e a puxei para perto de mim a abraçando com toda a minha força. Ela estava cambaleante e não conseguia falar. Num repente, outro grito alto e grave me fez tremer e ao olhar para trás me deparei com aquela figura de capa negra que eu havia visto no deserto, segurando o corpo de Justin já quase sem vida em suas mãos. Arrastei Wendy até a porta da frente, mas ela estava trancada, então segui pelo corredor dos fundos até a dispensa para tentar sair pela janela. Wendy me fez sair primeiro. Ela subiu na bancada da pia e quando ela passou metade do seu corpo pela janela da cozinha, aquela “coisa” agarrou seus tornozelos e a puxou com uma força sobre-humana. Eu tentei voltar, mas a janela se fechou e ela não abria por fora. Me levantei e corri até a porta da sala que desta vez estava aberta, mas lá dentro, já não havia ninguém. Minha primeira reação foi ligar para a polícia. Em prantos e sem conseguir falar uma só palavra, continuei ao telefone


até a primeira viatura chegar com uma ambulância logo atrás. Tinha acabado de perder o amor da minha vida e minha melhor amiga, e para piorar a situação, minha irmã havia desaparecido. O assassino não deixou vestígio algum.

                Um dos policiais que colheu meu depoimento percebeu que eu não estava em condições de responder a mais nenhuma pergunta e me encaminhou para uma clínica psiquiátrica. Disse que eu precisava conversar com um psicólogo e dormir um pouco. Ele me assegurou que só estava preocupado por eu ter presenciado tal cena e que a psicóloga era sua amiga e ia apenas me medicar para que eu descansasse um pouco.

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