Três Lados

Titulo do capítulo: Prólogo

Autor: Ida Garcia

Outubro do ano 2000, município de Candeias da Bahia...


Era mais um dia martirizante para Bruna. Ir ao psicólogo para ela, era como um sacrifício quase desnecessário, uma grande invasão de sua privacidade. Alguém que, por ter um diploma, tem a idiossincrasia e um bocado de petulância, em achar que pode entender o que ela passou.


Tudo o que Bruna gostaria, era o direito de ficar calada e quieta em algum canto com sua dor. Mas, segundo sua mãe, ela não poderia decepcionar o padrinho, que paga as sessões religiosamente, pensando no bem dela.


A adolescente olhava aquele ambiente uma vez a cada quinze dias e, realmente, não via de fato em que aquela rotina poderia lhe ajudar. Os pesadelos lhe assombravam, nunca passavam. Não importava se ela estava acordada ou dormindo.


— Como têm sido as últimas noites? A mudança de horário, da prática de esportes, deu resultado? — acomodada na poltrona, a psicanalista observa Bruna esfregar os braços. — Está gelado aqui. — pontua enquanto encolhe o próprio corpo, para suportar o frio — Quer uma manta, ou que diminua o ar?


— Uma manta séria bom. — como se quase sussurrasse, a jovem de 16 anos, responde de forma tímida.


A mulher negra de porte robusto, levantou-se se dirigindo até o armário, que ficava dentro da sala. Já com o tecido felpudo em mãos, ela cobre Bruna sobre o divã com amabilidade. Em seguida, senta-se ereta na cadeira por trás da jovem, pega a prancheta e volta à pergunta inicial.


Como tem sido suas noites?


— Tenho dormido melhor. — responde com pouca vontade.


— Melhor, quanto? Uma boa quantidade de horas e sem pesadelos? — a psicanalista de forma sútil, pede mais detalhes


— Sem pesadelo! — sorri irônica — Não preciso dormir para estar em um pesadelo. A minha vida é um grande e horroroso pesadelo.


A mulher se move na cadeira e ajeita o óculos grande de armação escura.


— Quer falar mais sobre isso? Pois não está em um pesadelo, aconteceram fatos no seu passado que irão fazer parte da sua história, mas não vão ditar sua vida eterna, Bruna. Você é dona da sua direção.


Bruna só pensava que, para a doutora, era fácil falar. Não foi ela quem viveu a situação.


— Eu só queria esquecer de tudo... é sufocante passar quatro anos se sentindo sozinha, em cima de uma árvore. E já que a senhora perguntou, não quero mais falar sobre isso.


Sem se dar por vencida, doutora Soraya tenta argumentar.


— Falar pode ajudar a aliviar o peso, diminuir o peso com ele a pressão. Bruna apenas fica muda. — Certo. — a mulher aceita a negativa. — Podemos tentar algo diferente?


A psicanalista entende que nem todo dia irá chegar num propósito positivo com a sua paciente. Lidar com estresse pós-traumático é mais que um trabalho de paciência. É saber o momento certo de invadir, ou que são feridas para no paciente. Por fim, mudou o rumo da conversa terápica.


— Sim, a senhora poderia me liberar mais cedo. Seria bem diferente!


Sem ligar para a ironia rebelde da jovem, a analista continua seu trabalho, tudo era um jogo bastante resiliente.


— Que tal recordar mais algumas histórias do seu passado? Podemos falar da escola que estudava no Rio de Janeiro. Gostava da escola? Como era o nome?


A jovem fica pensativa, um tanto estática. Logo resolve responder.


— Não me lembro se eu gostava e nem do nome da escola, não me lembro. Bruna esfrega as mãos sem parar.


— Mas lembra de algo, ou alguém? A escola é o ambiente onde fazemos amizades importantes, que muitas vezes marcam nossa vida, quem era a sua amiguinha? — doutora Soraya, faz de tudo para estimular a consulta, precisava que a sua paciente mais difícil evoluísse.


Bruna põe as mãos por dentro da manta e cobre os ombros.


— Acho que não tinha nenhuma amiguinha, ao menos, não me lembro. Só me ...


— Continua. Só me ... ia falar algo. Não desista. — insiste a analista


— Só me lembro do Batutinha.


De cenho franzido, doutora Soraya tentava entender aquela diferente lembrança.


— Você tinha algum amigo que tinha o apelido, ou se parecia com o personagem do filme Os Batutinhas? — a jovem adolescente apenas assente, fazendo o movimento de positivo com a cabeça. — E como ele era? Qual era o nome dele?


— Ele tinha os olhos de um anjo, sorriso tímido e um cabelo muito lambido, mas o nome, não me lembro. Eu, não me lembro. — em sua voz uma pequena aflição.


Doutora Soraya, por mais que sentiu um peso no tom de voz da Bruna, achou aquela lembrança, importante e promissora.


— Tive uma ideia... — fala altruísta — porque não ligamos para sua antiga escola e tentamos descobrir algo sobre o Batutinha? Talvez ainda estude lá. Seria bom reencontrar com alguém do seu passado, falar com ele. Quem sabe ter a oportunidade de voltar a...


— NÃO!!! — a menina levantou do divã. — A SENHORA É UMA INTROMETIDA! NÃO PODE FALAR COM ELE! NÃO PODE TRAZER ELE PARA PERTO DE MIM!


— Respire fundo, Bruna, se acalme. — a psicanalista, lembra a menina do exercício para calmar os nervos. — Tente controlar essa raiva.


— Não é raiva... — Bruna inspira e expira tentando administrar a respiração descompassada — é medo. A senhora não pode ligar para ele, pois, não posso mais protegê-lo... não aguentaria perdê-lo também. Eu não suportaria. — finalizou.


[...]


Bárbara tentava ser forte, aquela rotina era degradante, devastadora. Não via evolução. Bruna estava cada vez mais distante e reclusa. Contudo, jamais desistiria de sua filha. Esperava a doutora Soraya voltar do banheiro. Bruna aguardava na recepção com o padrasto. Tinha esperança que a conclusão dessa sessão de terapia, seja melhor do que a outra, precisava ouvir que sua filha, algum dia, voltaria a ser a menina agitada e feliz que sempre fora.


— Há evolução, senhora Bárbara. Um pouco vagarosa talvez, entretanto, bastante significativa. Sua filha sofre de TEPT, Bruna não tem amnésia, contudo os traumas que sofreu foram profundos. Não será algo fácil a superar. Tem de haver paciência. Todas as lembranças que a levam para o fatídico dia, Bruna põe numa zona morta. Ela simplesmente não quer se lembrar. Para sua filha, essa é a única forma de não sentir dor. Apenas demonstre estar do lado dela, como vem fazendo, que a ciência cuida do resto.

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