
CLARA
Titulo do capítulo: Clara
Autor: Cari Ramalho
Sabe quando você acha que sua vida perfeitinha jamais acabará e que o seu mundo cor de rosa será eterno? Essa era eu, acreditando que o dia seria sempre ensolarado com um arco íris e um pote de ouro no final dele.
Com o carro estacionado a porta do motel via o desgraçado do meu marido se beijando com a vadia da minha melhor amiga e fiquei pensando em muitas formas de matar os dois, mas algo me segurou e pensei: “ se mato um deles vou presa e nem em sonho vou dividir alguma cela imunda com uma presidiária de unha postiça.” Se bem que elas não podem usar unha postiça, desculpem não sei bem de onde tirei isso, talvez da realidade que se estampava a minha frente.
Tomei a melhor das decisões e arrastei com o carro de onde estava e voltei para casa, decidida a na manhã seguinte procurar um advogado e analisar a melhor maneira de foder com o idiota do meu marido.
Tudo tinha que ser levado em conta, como o fato que ele tinha dois filhos do primeiro casamento, duas pestinhas que só perdiam em inferno astral para a minha querida sogra.
O caso era que o Henrique, meu marido, era um milionário da borracha, herdeiro de uma fábrica de produtos manufaturados derivados do látex e para quem veio da pobreza como eu, ele era muita coisa para deixar de lado por causa de uma amante.
Sem dúvida, o melhor seria consultar um advogado e faria isso no dia seguinte. Quando na madrugada minha sogra recebeu o telefonema da polícia informando que Henrique tinha sofrido um acidente.
— Qual a gravidade? — perguntou enquanto eu ao seu lado torcia para que estivesse morto.
— Oh, Meu Deus! — gritou e precisou que o mordomo a amparasse para que a velha não caísse no chão.
Henrique tinha sofrido um grave acidente e seu carro pegou fogo depois de capotar várias vezes.
Os dias seguintes foram para cuidar do funeral e do inventário dos bens. Confesso que era a única coisa que me interessava. Estava meio sem paciência para o papel da viúva inconsolável, o que gerou comentários dos quais era indiferente.
Enfim, a viúva de origem pobre todo mundo reparava, mas a velha milionária que perdeu o único filho e chorava que não caía uma lágrima, aquela cena típica de rico que mantém a classe, era devidamente apreciada.
Olhava aquilo tudo e sinceramente só esperava a hora de receber o que era meu de direito e abandonar aquela família que nunca me acolheu de fato.
Quando Henrique se casou comigo percebi que era porque me considerava o tipo de mulher que adorava se envolver apenas para chocar a própria mãe, em uma espécie de pirraça que acontecia entre os dois.
Como queria um teto seguro e dinheiro para patrocinar os luxos que desejava e não tinha, não me importava com o que pensassem ao meu respeito.
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Entre os tramites que corriam naquele período, o acidente foi avaliado pela polícia para realmente comprovar sua veracidade, uma surpresa chocou a todos.
— Como assim? — perguntou Rafaela, minha sogra, ao investigador que veio nos visitar aquela manhã.
— O que a senhora ouviu. O seu filho foi assassinado. O carro foi sabotado! — disse.
— Meu filho era um homem que não tinha inimigos, investigador, por que alguém sabotaria o seu carro?
— É o que descobriremos — disse prometendo. Coincidência ou não os dois olharam para mim, pena que a lâmpada do meu sinal de alerta não piscou como deveria naquele momento.
— Sabe algo que possa ajudar o investigador, Clara? — perguntou minha sogra.
— Não, senhora, para mim tinha sido um acidente. Agora era fato que Henrique tinha amantes, pode ter sido qualquer uma delas ou os seus parceiros. — disse torcendo o canto da boca.
Eu e a minha língua grande! Naquele momento não percebi que acabei me colocando na lista do investigador como a esposa traída.
E as semanas que se seguiram transformaram-se nas piores da minha vida.
Não sei como fui colocada como principal suspeita. Provas surgiram contra mim, até mesmo minha ida ao mecânico com o carro do meu marido apareceu no inquérito e o fato de saber do caso dele com a minha amiga, além de uma transferência de dinheiro de uma conta que tínhamos em conjunto. Sem contar que não fazia ideia que o idiota guardava diamantes no banco e os mesmos desapareceram, os funcionários disseram que a esposa retirou o conteúdo do cofre, mostraram um documento assinado por mim.
— Sinceramente, não sei como explicar, mas não fui eu - disse no meu julgamento. Estava completamente perdida e sem foco.
Olhava para aquelas provas sem saber quem teria armado para me transformar em culpada.
Para completar estava sem dinheiro e o meu advogado era um desses de porta de cadeia que não rebatia uma acusação feita contra mim.
Pois é, a bruxa e seus netos diabinhos conseguiram me colocar no banco dos réus e não fazia ideia de como provar minha inocência.
Ao final de dois dias de julgamento sabia que tinha perdido e iria para a cadeia por um crime que não cometi. E infelizmente não enxergava uma saída.
Tinha perdido meus pais muito cedo e minha avó um pouco antes de casar com o Henrique, portanto não tinha parentes. Quanto aos amigos me afastei de todos da minha infância, tendo o pensamento de que seria rica, portanto, como continuar convivendo com gente pobre? E quanto aos novos amigos, eles eram falsos assim como a vadia que peguei na porta do motel com o meu falecido marido.
Portanto, quando o juiz leu a sentença e nela constava que pegaria uma pena de vinte e cinco anos na penitenciária pública de São Mateus tive uma crise de choro completamente desesperada.
— Lugar de assassina é na cadeia! — disse minha sogra fazendo questão de comentar para que eu ouvisse.
Pensei comigo, tinha vinte e cinco anos daqui a mais vinte e cinco estaria com cinquenta, o que restaria para mim, asilo? Caixão? Cemitério?
Após o julgamento fui colocada em um micro ônibus com várias outras presas onde seguiríamos para o presídio. Estava arrasada e mal olhava para os lados, imaginando que agora não existia mais futuro e minha vida estava acabada aos vinte e cinco anos, quando um carro surgiu na contra mão em uma das pistas da estrada e se chocou com o veículo em que estávamos, iniciando uma grande confusão.
Os dois policiais que faziam a escolta atiraram e uma presa foi atingida na cabeça além do motorista do micro ônibus, fazendo o veículo ainda em movimento capotar na estrada.
Senti que perdi os sentidos momentaneamente durante o acidente, mas quando a porta do veículo foi aberta e as presas começaram a se arrastar para sair, fugindo, percebi que era a minha chance.
Descobri que entre as meninas estava à namorada de um chefão do crime organizado, portanto com toda certeza devia ser ele que mandou soltarem a garota.
Peguei as poucas coisas que pude levar comigo e entrei no mato que tinha perto da estrada, achei melhor não aceitar o convite de umas duas prisioneiras que me chamou para acompanha-la, desta forma busquei sozinha me distanciar de uma possível caçada da polícia.
Segui por dentro do mato o mais rápido que consegui, queria colocar distância do lugar do acidente, porém por mais que adiantasse o passo comecei a ouvir os latidos, sabia que eram cães da polícia.
Porém, alguém lá em cima não tinha me abandonado e ouvi vozes vindas de outro extremo de onde estavam os cães e corri na direção. Chegando mais perto, vi umas dez barracas e alguns carros, tipo aquelas kombis antigas que pelo colorido e o cheiro de maconha e ervas foi fácil perceber que se tratava de um acampamento hippie.
Puxei uma saia que estava em um varal improvisado e me escondendo atrás de uma árvore, mudei meu visual para me integrar fácil ao grupo.
Observando de perto descobri o líder por assim dizer. Um cara vindo direto do túnel do tempo, saído de Woodstock com toda certeza. Aproximei dele explicando que estava na estrada vendendo umas artes, quando algumas coisas aconteceram me fazendo ver que o mundo estava perigoso, portanto, precisava de uma comunidade, resumindo perguntei se tinha problema em me juntar a eles.
— Faz sentido irmã, ninguém mais vive a vibe. Só quer escurecer o colorido — disse ele.
Não entendi metade do que falou, porém como eu queria tanto me enturmar e achava que seria o disfarce perfeito, simplesmente concordei e ele me ofereceu abrigo.
No dia seguinte quando seguimos viagem nas kombis e passei por várias viaturas da polícia que percorriam o lugar atrás das fugitivas fiquei aliviada.
Por sorte a policia só falou com o líder que se chamava Baltazar e a esposa, acabando por nos liberar sem criar problemas.
E viva a polícia e ao colorido hippie!
Segui com a comunidade mais uma semana até que chegamos a uma cidadezinha chamada Floresta Negra e no meio da noite juntei as minhas coisas e fui para a estrada pedir carona, precisava me esconder, quem sabe até mudar de país.
Finalmente, eu encontrei um bom esconderijo em uma cidade no interior do Mato Grosso do Sul, pois internet e TV a cabo era algo restrito aos pouquíssimos moradores.
Quanto ao meu visual, mantive o mais comum possível, pensei em cortar o cabelo, mas depois decidi por alisá-lo e pintar de preto. Quando conferi o resultado no espelho, tive que concordar que estava bem diferente.
Consegui um quarto em uma pensão, meu objetivo em seguida era encontrar um emprego de preferência em um lugar que não circulasse muita gente de fora da cidade.
Encontrei trabalho no pequeno mercado e achei perfeito. Tudo caminhava bem até que um dia saindo do banheiro do quarto assisti uma entrevista do novo presidente da empresa que minha sogra e meu falecido marido eram os donos.
Com a morte de Henrique as ações subiram drasticamente e uma empresa que não fazia ideia que estava à beira de decretar a falência estava se reerguendo.
“— Além da subida das ações, o falecimento do Henrique, nosso amado ex-presidente liberou acesso a contas da empresa que foram abertas por seu pai e só poderiam ser usadas, após a morte do seu herdeiro direto.” disse Arnaldo, o novo presidente.
Então existiam razões para que se vissem livre do Henrique, que com certeza superavam os motivos de um crime passional. Lembrei as provas usadas contra mim no julgamento que surgiram de forma inesperada e comecei a ligar os pontos: será que a minha querida e adorada sogra não tinha armado tudo pelo bem da empresa? Se livrando do filho que só lhe dava dores de cabeça, jogando a culpa para uma nora que nunca desejou. Enfim, precisava saber mais, portanto, tinha que investigar.
Recordei do tio de Henrique que tinha uma quedinha por mim e odiava a irmã que sempre fez questão de humilhá-lo. Esperava que Jaime me desse às informações que precisava, só tinha de ser esperta na hora de questionar.
Na manhã seguinte fui até o orelhão da cidade, um dos poucos aparelhos de telefone do lugar e disquei para o celular dele.
— Jaime, pode falar? — perguntei diretamente.
— Clara? É você? — perguntou e continuou: — Precisa se entregar a polícia.
— Não matei o Henrique. Não mataria a minha galinha dos ovos de ouro, porém parece que para sua irmã era mais vantagem tê-lo morto — disse, iniciando a conversa.
— Isso nunca. Ela tem muitos defeitos, mas não mataria o próprio filho.
— Por que não? Um filho que só lhe dava dor de cabeça. Ela fez com que parecesse um acidente, mas como a polícia confirmou como um crime quis jogar a culpa para cima de mim - disse irritada.
— Você só pode ter enlouquecido! A minha irmã é tudo, menos assassina — disse.
— E eu sou assassina?! — perguntei enfurecida.
— Deveria se entregar a justiça. Se o delegado que está caçando as fugitivas do ônibus a encontrar primeiro, terá sérios problemas - disse me ameaçando.
Pelo visto me enganei com o Jaime, talvez ele não fosse tão contra a irmã quanto pensava, resolvi que era melhor desligar, estava claro que não colheria mais nada daquele idiota.
Passei todo o dia tentando ter uma ideia sobre o que fazer, afinal de contas agora era mais que evidente que a bruxa velha tinha armado para mim.
Além disso, fiquei preocupada com o tal policial que estava caçando as fugitivas. Pelo tom do Jaime, o homem era bom. Precisava obter mais detalhes de toda história, só assim conseguiria me proteger.
Peguei um ônibus no dia seguinte com destino à cidade vizinha, sabia que a biblioteca possuía um arquivo atualizado dos jornais da capital. Fiz também uma lista de todas as testemunhas que falaram contra mim, principalmente a funcionária do banco que afirmou que eu tinha retirado os diamantes do cofre.
Na biblioteca consegui a matéria falando sobre a minha fuga e vi uma das minhas fotos estampadas na primeira pégina, o que me fez agradecer pelos óculos, o aparelho para os dentes e a roupa de crente que achei interessante usar.
A matéria contava que o investigador Fernando Lopes estava atrás das fugitivas e já tinha recuperado cerca de dez delas.
O problema era que não encontrei foto dele para que me precavesse. Isso não era bom.
Porém, o que de fato considerei um grande problema foi a recompensa que a mãe de Henrique colocou para quem simplesmente desse informação sobre o meu paradeiro, o que me fazia pensar que seria complicado me manter anônima.
Essa atitude por parte da minha ex-sogra provava o quanto ela estava enrolada no que dizia respeito à morte do filho, cercando-me de todos os lados. Como escaparia de algo assim?
Precisava voltar à cidade, ou melhor, precisava de um bom WI-FI, para descobrir mais sobre a funcionária do banco e o dono da oficina que me viu levar o carro e insinuou que deixei tudo engatilhado para o acidente.
Descobri uma pequena lan house perto do mercadinho e entrei. Paguei pela hora seguinte e escolhendo a última máquina da fileira onde teria mais privacidade me sentei na cadeira para começar a montar a minha defesa.
Comecei minhas pesquisas pela funcionária do banco, Maria Conceição Lopes. Porém, não tinha nada em seus dados nas redes sociais que a ligasse ao Henrique, o que me deu uma sensação de frustração, quando resolvi aumentar a pesquisa para os seus pais e invés de liga-los ao Henrique fui à busca de algo que os ligassem a minha ex-sogra, e bingo, o pai dela Aldair Lopes tinha sido motorista da bruxa velha por muitos anos e acabou na cadeia acusado de roubo e de agressão ao meu ex-sogro. Era um vínculo, mas como aquela ligação faria a Maria Conceição ajudar a bruxa velha?
Descobri que o Aldair continuava vivo e estava na prisão de Margem Grande, talvez fosse interessante uma visita, mas teria que planejar bem, afinal eu era uma procurada da justiça.
Com milhões de ideias na cabeça deixei a lan house, talvez por isso fui descuidada em atravessar a rua e acabei sendo atropelada.
Caí no chão sentindo uma dor enorme na perna, quando um homem alto, moreno, vestido de preto se agachou ao meu lado.
— Você está bem? — perguntou com a voz rouca, fazendo os pelos do meu braço arrepiarem de tensão.
Olhei para ele e não sei bem o que pensei, pois o cara era lindo. Tinha muita cara de macho daqueles que lhe pega de jeito. A alucinação do momento me fez pensar como seria estar com ele na cama e concluí: "Caramba! Minha carência estava subindo a níveis estratosféricos."
— Estou. — respondi sentando-me e pondo fim a minha paranoia.
— Posso leva-la a um hospital – disse ele, oferecendo.
— Não precisa — respondi enquanto me levantava e se ele não me ampara teria parado no chão novamente.
— Onde fica o posto de saúde? — perguntou ele para uma senhora que indicou satisfeita.
Sem que esperasse ele me pegou no colo e colocou-me no carro. Estava me sentindo tão carente e sozinha que deixei que o desconhecido cuidasse de mim, só não contava com os planos dele.
Um pouco tarde para agir eu notei que saíamos da cidade, seguindo para bem longe do posto de saúde. Meu coração se apertou no peito quando pensei que ele podia ser o tal policial que estava pegando as fugitivas e comecei a entrar em pânico.
— Para onde está me levando? — questionei com os olhos arregalados.
Ele não me respondeu, parou o carro em uma trilha deserta e com um baita sorriso cruel me olhou e disse:
— Sua sogra pagou muito bem para que quebrasse o seu pescoço e farei isso.
Ele avançou para cima de mim e naqueles segundos em que meus olhos saltaram das órbitas em pânico, percebi que me casar com Henrique tinha sido a maior roubada da minha vida.