
CLARA
Titulo do capítulo: FERNANDO
Autor: Cari Ramalho
Sempre fui criterioso e exigente no trabalho, características que ajudavam a me acostumar a trabalhar infiltrado. Sabia que esta forma de ação me exigia uma firmeza de caráter, tendo sempre em mente que aqueles homens eram meus inimigos. Felizmente vinha de bons sucessos com o fim de algumas quadrilhas poderosas.
Estava com a intenção de tirar umas férias quando um amigo me pediu para ir atrás das fugitivas do ônibus, as mulheres que fugiram estavam entre traficantes e assassinas, portanto devíamos agir rápido e com eficiência.
O meu supervisor queria aproveitar do fato do meu rosto ser desconhecido para que pudesse sondar as informações que recebíamos, chegando mais rápido às fugitivas.
A estratégia fez com que capturasse cerca de dez mulheres. Mas ainda faltavam algumas na lista e o próximo nome das que traria de volta a justiça era a Clara Gusmão, acusada de assassinar o marido e condenada a vinte e cinco anos de prisão.
Analisei sua ficha e comecei checando todas as antigas amizades, pois não tinha mais nenhum parente direto vivo, mas ela não foi encontrada em nenhum dos possíveis endereços então a saída foi analisar o circuito que poderia ter seguido desde a fuga do ônibus da prisão.
Confesso que me deu trabalho encontrar a comunidade hippie, mas o objetivo valia a pena. E finalmente cheguei à cidade onde a Clara Gusmão estava escondida.
Com algumas voltas pela cidade e mostrando a sua foto me indicaram um pequeno mercado onde possivelmente estava trabalhando.
— O senhor conhece esta moça? — perguntei mostrando a foto.
— Parece muito com a Clara, que trabalha aqui conosco. Boa menina. Mas hoje está de folga. — disse um senhor de meia idade olhando-me com um sorriso simpático.
— Sou primo dela e trago um recado importante da nossa tia, seu pai não está nada bem de saúde. O senhor sabe onde posso encontrá-la? — perguntei simpático.
— Coitada! Se não estiver na pensão, deve ter ido a cidade vizinha. Vi quando pegou um ônibus para lá hoje cedo.
— Muito obrigado. O senhor é muito atencioso. — disse e deixei o lugar.
Subi na moto e como minha intuição dizia para arriscar direto na cidade vizinha, fiz o que indicou.
Com a moto, em cerca de quinze minutos, estava na cidade. Sondei possíveis pontos do comércio que pudesse ter entrado e depois de circular parei na praça. Para minha sorte duas senhoras comentavam sobre o atropelamento de uma moça e sobre um rapaz muito simpático que deu socorro.
— Desculpe, ouvi a conversa de vocês, por acaso seria esta moça? — perguntei mostrando a foto de Clara.
— Parece, mas a que saiu daqui é bem diferente, não posso afirmar que seja ela. — disse uma delas depois de observar por um tempo.
Óbvio que a Clara pensou em uma maneira de se disfarçar, por isso meu palpite dizia que realmente era ela.
— Sabe me dizer para onde foram? — perguntei insistindo.
— Para o hospital da cidade vizinha. — disse com um sorriso.
— Obrigado. A senhora ajudou muito.
Peguei a estrada para a cidade vizinha quando no meio do caminho vejo uma moça correndo, saindo de uma trilha com um homem logo atrás a perseguindo.
— Você está morta, vadia! — ouvi o homem gritar, jogando-se sobre ela.
Parei a moto na mesma hora e fui tentar apartar a situação, felizmente consegui tirar o homem de cima da garota.
— Cara, ela é uma assassina! — disse o homem, lutando para que o soltasse.
Olhei para a garota que se erguia do chão e tive a certeza que se tratava da Clara Gusmão.
— Clara Gusmão. — disse e ela olhou-me assustada procurando algo pelo chão, quando vimos à arma.
Ela pegou a arma antes que eu e o provável caçador de recompensas que estava em busca do dinheiro que a família oferecia pela sua captura conseguíssemos e apontou em nossa direção.
— Você roubou a minha arma. — disse o imbecil ao meu lado.
— Paradinhos os dois. — disse.
— Por acaso sabe atirar? — perguntei, notando que a arma permanecia travada e, portanto me preparei para dar o bote e imobilizá-la.
— Vai arriscar? — perguntou percebendo minha intenção e destravando a arma.
— Cometeu um crime e deve pagar por ele. Portanto acrescentar resistência à prisão é uma péssima ideia. — disse sério.
— Hum... então você deve ser o investigador Fernando. — disse Clara, estreitando os olhos.
— O próprio. — respondi torcendo a boca.
— Legal. Que tal prender o imbecil ao seu lado que acabou de tentar me matar! — gritou.
— Estou aqui pela recompensa, vou levá-la viva. — disse o homem com um sorriso amarelo que me deixou desconfiado.
— Provavelmente testou a paciência do caçador de recompensa. — disse para Clara a distraindo e dei um passo em sua direção.
— Acho bom ficar onde está — respondeu ela, enquanto testando os seus limites dava mais um passo em sua direção, sendo surpreendido por um tiro bem a minha frente.
— Você é louca! — disse surpreso.
— Não querido, sou uma sobrevivente. Não cometi crime algum e não vou morrer. — olhou para o cara ao meu lado — E muito menos ir para a prisão — completou, ela olhando-me. — As chaves do carro. — disse Clara, pedindo ao cara do meu lado.
— Pode atirar vadia que no meu carro você não pega. — disse o caçador de recompensa.
— Por favor, não teste a minha paciência! — completou séria e por um momento me vi forçado a admirar a Clara, ela não baixava a cabeça diante das dificuldades.
Quando um cara surgiu dos matos que estavam às costas da Clara, armado e disse:
— Acho que se tem alguém que largará a arma é você.
E em segundos o cano do revólver estava colado as suas costas e o cara a desarmava.
Percebi que precisava fazer algo e negociar com os caçadores de recompensas, afinal tinha de voltar para a cidade com a minha fugitiva.
— Senhores, podemos todos ir à delegacia mais próxima e garanto que receberão o seu dinheiro. — disse.
— Querem ela morta, entregaremos um cadáver. — disse o caçador ao meu lado, falando finalmente a verdade.
— E já seria um cadáver se não fosse esse idiota! — disse o outro.
— Você não sabe o que ela fez! — completou o outro queixoso.
— Dinheiro a mais para se tornarem assassinos não compensa. — disse tentando convencê-los.
— Quando vai entender que são assassinos a mando da minha ex-sogra?! Querem me matar, não me levar presa! — gritou Clara e percebi que era hora de controlar a situação, por isso em um gesto rápido peguei uma faca que estava enfiada no cós da minha calça e atirei no braço do sujeito que a mantinha na mira da arma e rapidamente imobilizei o outro idiota a minha frente.
Uma parte de mim esperava que a Clara Gusmão ficasse quieta e gritasse como a maioria das mulheres, mas quando o assassino que atingi com a faca gritou com a dor ela virou em sua direção e lhe deu uma joelhada conseguindo recuperar um dos revólveres.
Assim que consegui imobilizar o outro idiota, corri atrás dela que pelo visto foi em direção ao carro que estava parado em um ponto atrás das folhagens com acesso por uma estradinha de barro.
— Saia do carro! — gritei impaciente.
— Não, senhor. — disse ela, dando a partida e se não me jogasse para o lado teria me atropelado.
Voltei para a moto e arrastei o mais rápido possível para tentar pegá-la.
Passei pelos dois imbecis ainda caídos na beira da estrada e em alguns minutos emparelhei com o carro.
— Resistir à prisão só prejudica ainda mais a sua situação! — gritei. — Não matei o Henrique e não vou para cadeia nem muito menos morrer por isso.
— Clara, você é decididamente maluca! — gritei exasperado.
— E você é um bitolado pelo sistema! — gritou de volta enquanto acelerava o carro.
Acelerei também, mas antes que chegássemos a uma solução de quem venceria a disputa, uma pick-up enorme cruzou a pista nos fazendo frear de vez. Olhei a cena e percebi Clara engatando a ré, mas outro carro do mesmo estilo nos fechou.
Homens fortemente armados desceram dos veículos. Com toda certeza não eram apenas caçadores de recompensa e realmente a queriam morta, será que a família teria chegado a tal modo de ação?
Olhei para Clara e o que vi em seu olhar foi o desespero. Pelo visto havia muita coisa por trás daquela história que ainda não conhecia.