
Das Cinzas aos Recomeços
Titulo do capítulo: 02 - O que irei fazer?
Autor: RHANYKELEM MONTEIRO DE ARAUJO
Construtora Alves
10 de fevereiro de 2016
O ponteiro do relógio finalmente marcava dezessete horas em ponto.
A mulher, com uma cabeleira volumosa e exuberante de um tom ruivo natural, em uma tonalidade de cobre vibrante e quente, caía em cascata ao redor de seus ombros. Seus longos fios, com ondulações cuidadosamente arrumadas, exigiam horas de dedicação. Ela respirou profundamente, sentindo um alívio preencher seu ser. A tensão muscular fazia sua cabeça girar e seu estômago embrulhar desde o momento em que havia despertado. Passara o dia inteiro imersa em entrevistas para as novas vagas que estavam sendo oferecidas na Construtora Alves, e já não suportava mais analisar tantos currículos e repetir as mesmas perguntas incessantemente:
“Me conte sobre você.”
“Por que você deseja trabalhar aqui?”
“Como você se vê daqui cinco anos?”
“Por que deveríamos contratá-lo?”
Basicamente, ela odiava o seu trabalho e, em momentos de estresse, questionava o motivo de ainda estar naquela profissão. Lidar com pessoas que choramingavam por emprego ou funcionários que imploravam por aumentos salariais era exaustivo. No entanto, havia duas razões pelas quais ela ainda permanecia naquele trabalho. O primeiro motivo era culpa de seu marido, um jovem médico em ascensão que se recusava a gastar um único centavo da herança que recebeu após a morte de sua mãe. Eles poderiam viver tranquilamente o resto de suas vidas em outra cidade, ou até mesmo fora do país, mas por sua tolice, como ela pensava, ele preferia levar uma vida modesta e acordar cedo todos os dias para trabalhar. E ela odiava isso nele. A segunda razão era o que a impedia de enlouquecer, pelo menos até aquele momento. Ela trabalhava como Supervisora de Recursos Humanos e braço direito do CEO da Construtora Alves. Seu chefe confiava somente nela para as contratações e o gerenciamento de pessoal. Era por causa dele que Elizabeth Barreto não odiava completamente o seu trabalho.
– Finalmente esse longo dia acabou - comentou a estagiária, enquanto escrevia suas anotações na agenda rosa coberta por glitter que ela mesma havia confeccionado. – A senhora ainda precisa de alguma coisa?
– Ah, não, minha querida. Você está dispensada. Tivemos muito trabalho, e pelo que sei, suas aulas na faculdade retornam hoje. É bom aproveitar e lanchar antes - Elizabeth lançou um sorriso à moça.
– Obrigada, Dona Elizabeth. Espero que melhore.
– Boa noite, Renata. Tenha uma boa aula e cuide-se.
A jovem estagiária apressou-se em organizar sua mesa ao ver Victor Alves adentrar a sala de Recursos Humanos, e sentiu um arrepio percorrer seu corpo ao receber seu olhar intimidador enquanto comentava sobre seu desempenho. Elizabeth rapidamente esboçou um sorriso prazeroso na presença dele e respondeu:
– Ainda está aprendendo, mas é muito dedicada e atenciosa. Em breve teremos alguém para conduzir as benditas entrevistas no meu lugar – fez uma pausa, observando a estagiária sair da sala e continuou: – em vez de você continuar me usando.
Victor, até então focado em Renata, olhou para Elizabeth e se aproximou dela.
– Você sabe, se não fosse pelo seu talento e seus olhos de águia na seleção do pessoal, eu provavelmente teria enlouquecido – cheirou o pescoço dela e depositou um beijo. – E sejamos sinceros, você adora ser usada por mim, não é mesmo, Elisa?
Ele se afastou da ruiva, evitando se perder no perfume adocicado e sensual. Victor não era capaz de controlar seus impulsos ao lado dela, enquanto ela sabia muito bem do poder do desejo que exercia sobre ele.
Elizabeth fixou seus olhos verdes com excitação, suspirando involuntariamente. A chama por ele a consumia de tantas formas e maneiras que cada dia se tornava mais difícil manter as aparências na empresa e, principalmente, com seu marido.
Anos atrás, quando tudo começou, os amantes evitavam os olhares carregados de culpa e tensão. Elizabeth não sabia o momento exato em que seu coração começou a bater mais rápido por ele, mas ela tinha consciência de que foi no primeiro ano do Ensino Médio, no Colégio Ramazzotti. Diferentemente de Leonardo, Elizabeth e Victor frequentaram escolas públicas. E, seja por destino ou uma simples coincidência, seus nomes foram sorteados para fazerem trabalhos juntos na mesma sala. Sempre Elizabeth e Victor. Naquela época, a ruiva não pôde deixar de se encantar pelo rapaz de cabelos loiros, olhos expressivos e azuis brilhantes, lábios bem desenhados que complementavam um sorriso cativante, e um corpo bem definido. Enquanto isso, Leonardo possuía um sorriso puro, olhos castanhos calorosos, cabelos castanhos e um corpo magro – diferente do que era atualmente. Ambos os rapazes tinham seu lugar no coração de Elizabeth. Victor proporcionava tudo aquilo que a fazia arder de paixão, enquanto Leonardo representava a estabilidade financeira. No fim, entre um corpo atraente e um corpo que garantia seu futuro, ela acabou escolhendo prosseguir com seu relacionamento com Leonardo e, consequentemente, casar-se com ele. No entanto, isso não a impediu de esconder seu caso com Victor por todos aqueles anos. De certa forma, mesmo estando errada, ela acabou aprendendo a amar o médico, embora não fosse um amor verdadeiro.
– Acompanhe-me até minha sala? – perguntou Victor após o silêncio de fascínio entre os dois.
– Claro - respondeu prontamente. – Só preciso avisar o Léo. Ele provavelmente está me esperando para apreciar o maldito pôr-do-sol – pegou o celular no carregador e procurou o contato do marido.
– Você não está cansada dessas bobagens que ele tem, está? – questionou com desprezo.
– Um pouco – respondeu sem entusiasmo.
“Querido, infelizmente não poderei ir com você à Ponta Negra. Surgiu uma reunião de emergência.”
Mensagem enviada às 17h03.
“Tudo bem, amor. Estou saindo do hospital para ir à praia. Não se preocupe com o horário, irei buscá-la na empresa. Amo você, beijos!”
Mensagem recebida às 17h05.
“Não precisa vir me buscar, vou voltar com o Victor. Pode ir para casa e preparar o jantar. Passei o dia enjoada e estou exausta.”
Mensagem enviada às 17h08.
– Pronto, agora sou toda sua – ela sorriu maliciosamente.
De mãos dadas, saíram da sala em direção ao final do corredor, onde a sala da presidência estava localizada. Durante o caminho, conversaram sobre a dificuldade de encontrar pessoas qualificadas para a vaga de Gerente Financeiro no mercado de trabalho e como muitos candidatos não eram sinceros. Ela expressou novamente o desejo de não realizar mais entrevistas, mas ele apenas riu, pois sabia que isso nunca aconteceria, especialmente porque ela era sua pessoa de confiança na empresa. Ela era seus olhos e ouvidos, e sem seu bom desempenho, ele não teria chegado tão longe.
– Comprei um presente, Elisa – ele disse quando finalmente chegaram à sua sala, abrindo a gaveta e retirando uma caixa vermelha.
Com cuidado, Victor abriu a caixa e exibiu um magnífico colar de rubi. Os olhos de Elizabeth brilharam ao vê-lo. Era uma joia deslumbrante, com uma corrente de ouro que se ajustava perfeitamente ao redor de seu pescoço. O rubi tinha um corte princesa, em tons de vermelho profundo e nuances purpura, e estava adornado com diamantes.
– Victor! – ela exclamou, surpresa, movendo seus cabelos para o lado para receber o presente em seu pescoço. – Estou maravilhada. É magnífico.
– Sabe – ele sussurrou enquanto colocava o colar nela – o rubi é a pedra do amor e da paixão, combina perfeitamente com você. – Ele admitiu. – Quero mostrar o quanto sou apaixonado por você e o quanto a desejo somente para mim. Eu sei que isso vai destruir o Léo, mas Elizabeth – ele virou a ruiva e continuou: – está na hora de acabar com essa farsa.
– Victor, meu amor por você é real e mais profundo do que qualquer outro sentimento – ela engoliu em seco. – Eu nunca fiquei com você por causa do que minha mãe disse, e ela tinha razão.
– O que sua mãe disse, Elizabeth?
– Victor, nós dois sabemos de nossas origens – ela falou tristemente, sem pausas. – Você não tinha nada a me oferecer além da paixão e do sexo. E o dinheiro? Quando minha mãe descobriu, ela me fez perceber que seria melhor casar com Leonardo, e no futuro – ela tocou a joia – bem, no futuro poderíamos ficar juntos.
– Eu fiz tudo o que fiz para ter você, Elisa! – Ele tocou os lábios dela, que estavam pintados com batom vermelho escarlate. – Aceitei a proposta de Lourenço apenas para te proporcionar a vida que você realmente merece. Não te culpo por ter se casado com ele, mas droga – ele desceu as mãos para os braços dela e apertou-os – não aguento mais saber que todas as noites você dorme com ele, ou que provavelmente um dia terá um filho com ele. Não suporto mais ter que dividir você!
– Não posso fazer isso com Leonardo, pelo menos não agora.
– Meu Deus! – Ele pegou o copo de whisky que estava sobre a mesa e o atirou contra a parede. – Você diz que me ama e mesmo assim prefere manter as aparências com ele. Elisa, eu posso te dar tudo o que você quiser. Tudo!
A ruiva ficou irritada com a atitude do empresário:
– Victor, você realmente quer discutir isso agora? – Ela o distanciou com as mãos. – Me diga o que você fará com a Jennifer, só me diga se terá coragem de largá-la grávida – sua voz saiu trêmula e fraca. – Vai mesmo ser esse tipo de cara?
– Eu farei meu papel de pai ou acha que sou um covarde por não assumir um filho meu? – Victor deslizou os dedos pelos cabelos, rosnando em seguida: – Eu não ligo se ela vai sofrer, só me importo em ter a mulher que sempre amei ao meu lado – apontou o dedo para o rosto da ruiva. – E preciso do seu apoio na minha candidatura.
Elizabeth retirou o dedo dele do rosto, abriu os lábios sem emitir nenhum som, refletindo.
– Nunca mais aponte um único dedo, Victor. Tenho tolerado suas explosões emocionais e tentado entendê-lo, mas nunca mais faça isso! – Sua postura estava tensa, mandíbula cerrada e o rosto corado, o que o levou a concluir que estava passando dos limites. – Nunca disse que abandonaria seu filho, só acho que estamos indo rápido demais para terminar com nossos parceiros. Leonardo sempre foi seu amigo e Jennifer pode te apoiar, você sabe muito bem!
– Desculpe, Elizabeth – ele percorreu as mãos no rosto macio dela, beijando sua testa. – Vou esperar pelo seu tempo.
Ambos assentiram.
– Sabe – a fala nervosa deu lugar à sensualidade – estamos perdendo tempo brigando – ela abriu o zíper do vestido vermelho, exibindo a ausência de peças íntimas – vamos aproveitar as poucas horas que nos restam.
Victor não relutou em atender o pedido da amante. Sorriu com a excitação aflorando todo o seu corpo. Ele a puxou contra o seu corpo, colocando-a em cima da mesa escura de madeira. Seus corpos, como em uma dança, corresponderam aos comandos na mesma reciprocidade. A cada beijo Victor agarrava os seios suculentos ao mesmo tempo que Elizabeth sentia o desejo movimentando-se, sem nenhuma presa em terminar, gemia pelo nome dele.
Entregues à paixão, eles não sentiram remorso. Sentiam que estavam fazendo o que era certo, e os orgasmos intensos os cegavam ainda mais, a ponto de não perceberem uma silhueta devastada parada na porta entreaberta.
(...)
Passava das 21h00 quando finalmente chegou em casa. Adentrou a imensa sala com piso de mármore adornado por tapetes macios e elegantes em tons brancos e cinzas. As paredes combinavam com os demais objetos e estavam repletas de pinturas de arte e quadros com as fotos do casamento. No centro da sala, havia um conjunto de sofás e poltronas revestidos com tecidos de veludo, dispostos de maneira simétrica e estrategicamente posicionados para facilitar a conversa e a interação social. Uma mesa de centro feita de mármore com detalhes dourados era decorada com livros de Medicina e revistas de moda. As janelas amplas, adornadas com cortinas de tecidos finos e cores suaves, permitiam a entrada de luz natural e ofereciam vistas panorâmicas para paisagens. No canto esquerdo, havia estantes exibindo uma coleção de livros, obras de arte e objetos decorativos selecionados. O ambiente sempre era muito bem iluminado graças ao lustre caríssimo escolhido por ela.
Elizabeth depositou sua bolsa no sofá, notando um silêncio inquietante e acreditando que o marido estivesse deitado. Ela retirou os saltos e subiu as escadas em direção à suíte principal. Ao abrir a porta, encontrou o quarto vazio. Elizabeth chamou por ele em cada cômodo, mas ao retornar à imensa e vazia sala, caiu em si. Seu marido ainda não havia chegado em casa. Pegou seu celular, abriu o WhatsApp e verificou que a última vez que ele esteve online foi às 17h05, sua mensagem sequer havia sido lida. Resolveu ligar para Bárbara, sua antiga confidente e ex-melhor amiga. Ela não gostava de estar fazendo aquilo, sentia que estava levantando uma bandeira enorme e dizendo: “Tenho ciúmes de você, Bárbara”. Reconhecia seus ciúmes e sabia que tinha motivos para isso. Se não fosse pela preocupação que a consumia, ela poderia estar em paz, mas Leonardo não era do tipo que desaparecia sem deixar vestígios. E naquele dia ele não tinha mais plantões.
– Onde você está, Leonardo? – Perguntou ela.
Ao descobrir que ele também estava ausente no apartamento de Bárbara, a ruiva ficou frustrada, ficando ainda mais pálida do que já era. Ela jogou seu corpo na cama e não conseguiu tirar as palavras de Victor de sua mente. Ele estava certo. Ela precisava tomar uma decisão o mais rápido possível sobre seu divórcio e permitir que Leonardo fosse verdadeiramente amado por outra pessoa. Seu olhar vazio encontrou a foto emoldurada do dia do casamento. Ela não negava o quão especial aquele dia tinha sido em sua vida, e o quanto doeria abandoná-lo e vê-lo sofrer. Mas o que ela poderia fazer se não conseguia controlar seu coração, e o homem que ela amava não era nem de perto tão especial quanto aquele que ela não amava de verdade?
Lágrimas escuras desceram por seu rosto, borrando a fronha branca do travesseiro.
– Espero que o seu pai possa me perdoar, meu bebê – murmurou ela, colocando suas mãos em seu ventre, e adormeceu chorando.