Histórias Fantásticas e Millinares

Titulo do capítulo: O Conselho Elfirico

Autor: Jonathan Alves

    “Cercados pelas florestas exuberantes de Goldenran, um

grupo de humanoides ficou afastado dos grandes predadores e rodeado por

alimentos silvestres, devido a isso, eles desenvolveram a inteligência, a

agilidade, tornaram-se esguios, leves e, principalmente, obtiveram uma beleza

quase semelhante a nós, deuses. Com suas peles claras, olhos predominantemente

claros e grandiosos e cabelos em seda, lisos. Os elfos conquistaram o

pioneirismo da vida inteligente, por consequência da vida civilizada, todavia

tentaram aprender, junto com outras as espécies, o convívio mútuo e a posição

deles no universo. Eles fracassaram.”

Livro da Sabedoria:

Espécies de Millinar, parágrafo 1.

 

    Sempre olho a vista que o

horizonte me oferece antes de adentrar o grande prédio de colunas de mármore

que é Irnacilio, será mais um dia no conselho elfírico, apesar de que, hoje em dia,

eu não sou mais uma representante na roda de discussões. Não posso deixar de

olhar essa vista, afinal ela é esplêndida.

Eles ainda permitem a entrada

de um parente próximo dos integrantes para assistir as discussões do império. O

laço de maternidade que tenho com Elzel não deixa com que me ausente, claro que

não iria me ausentar em um dia que prometia ser uma grande conquista em sua

vida.

O som dos pássaros, a luz que

transpassa pelas gigantescas copas de árvores, a vegetação rasteira, os símios

pulando de galhos em galhos nas alturas medianas, os mamíferos pequenos nas

raízes, todos formando uma bela paisagem. Não somente nas plantações de uvas e

olivas, mas também nas cidades com sobrados de mármores, casarões de madeiras

avermelhadas e os paralelepípedos de granito nas cidades de Goldenran.

Especificamente aqui, na cidade de Tecnicia, posso ver daqui, do penhasco do

conselho elfírico, a grande arquitetura abaixo dos meus olhos que resplandece a

própria glória do império dos elfos.

Irnacilio, juntamente com a

morada do imperador, Vamir-Ún, é uma das edificações mais belas de toda

Millinar, digo, eu não acredito que outra raça tenha inteligência o bastante

para se equiparar a nós.

    — Mãe? — Sinto um leve toque

no meu ombro seguido de uma voz masculina e suave me fazendo voltar à

realidade. Olho para trás.

    — Elzel, filho! Desculpe-me.

Sabe como sua mãe fica admirada com a vista daqui de cima, até esqueço-me dos

problemas que irão discutir lá dentro. — Eu respondo.

    O meu filho está cada vez mais

lindo, principalmente agora que está na fase adulta, digo, não é só porque ele

alcançou os 300 anos, mas também porque amadureceu muito rápido. Sem a presença

de um pai, ele teve que assumir uma grande responsabilidade para si. Estudou

direito elfírico em Escribia, na universidade de Goldenran, com o intuito de

entrar no conselho e aliviar minhas tarefas. Segundo ele, me dar uma vida

digna, entretanto, eu vivo dizendo a ele que só preciso de pouco, mas é um

teimoso quando estabelece um objetivo.

Bom, é teimoso que nem eu,

isso devo admitir. Os seus cabelos curtos platinados, os olhos verdes, sua pele

branca, marcam sua beleza herdada de mim. Já o peitoral definido e a força com

certeza vieram do pai, que infelizmente está no reino dos deuses.

    — Não te culpo, o horizonte é

esplêndido. Eu realmente queria ficar aqui com a senhora, só apreciando a

vista, mas o dever nos chama. — Retruca.

    — Oh, meu querido, o dever de

sua mãe acabou já faz alguns bons decênios, agora é sua vez de conquistar a sua

honra. Apesar de que, aqueles homens precisam da voz da Dama Merith. — Ri

levemente.

    — Deixarei você com orgulho,

minha mãe. Como você deve saber, hoje será uma reunião sobre o destino do novo

tesouro que foi encontrado recentemente, um livro que dizem ser de origem

divina. O imperador já quer declará-lo como tesouro nacional, junto com a

árvore de Eleron.

    — Não acredito que devemos nos

envolver com algo que seja relacionado aos deuses. Já somos abençoados por

sermos dignos de usar sua magia, mas nos apropriar de suas possíveis posses

ainda seria uma heresia, uma blasfêmia.

— É o que pretendo dizer, mas

aqueles elfos e elfas estão cada vez mais soberbos e teimosos. É difícil de

convencê-los sem alguma aliança ou coligação, além do mais, eu ainda sou novo

aqui.

 

    Por mais que eu quisesse tomar

o lugar dele as regras não permitem. Depois de 400 anos de serviço os mais

velhos devem dar lugar aos mais novos, isso ocorre para promover a rotação de

mentes e a discussão de novas ideias. E justamente hoje ele recebe uma missão dessas.

Nós atravessamos a entrada que

ostentava colunas de mármore, entramos no grande saguão de Irnacilio. O saguão

ali é ornamentado por estátuas de prata e ouro dos imperadores passados,

vitrais que remetiam a criação e a vinda dos primeiros elfos para as florestas.

Há duas escadas de madeira envernizada que levam aos escritórios de cada

conselheiro, a frente, sob um tapete de veludo vermelho, duas estátuas de

Fremita estão guardando a entrada do círculo dos sábios, representam a própria

deusa que nos guia para a melhor decisão.

Dou um beijo caloroso na testa

do meu filho e o vejo entrar no salão principal. Meu orgulho de mãe está

grande, me pego dando um sorriso largo, o qual foi visto por um dos meus

ex-colegas de trabalho, o sábio Lerith.

— Mas que cena linda, o filho

seguindo os passos da mãe. Até escorreu uma lágrima aqui. Como vai Dama Merith?

Lerith já está na casa dos 500

anos, 100 anos a menos que eu, quase meia-idade e ainda mantém seus cabelos na

altura dos ombros, algumas olheiras, mas um pequeno sorriso convidativo para

uma conversa, assim como seus olhos azuis. Ele é um dos rostos amigáveis que

ainda mantenho contato depois que me afastei do conselho.

— Eu vou bem, Lerith. Vai

participar da sessão de hoje?

— Sim, ficarei de olho no

Elzel por você, mas acredito que ele consegue carregar o fardo. Nunca vi um

jovem tão ansioso para começar a carreira política. Você deve estar orgulhosa.

— Diz sorridente.

— Agradeço, Lerith. A

propósito, qual sua opinião sobre o livro?

— Creio que a mesma que a sua,

o livro é propriedade dos deuses, não nossa.

Concordo com meu ex-colega,

depois de uma pequena conversa nos separamos. O elfo entra pela mesma porta que

Elzel, enquanto eu subo as escadas para um camarote designado ao familiar

convidado.

No camarote acima da mesa

redonda eu encontro sete elfos e elfas, entre eles a esposa de Lerith e a

própria imperatriz de Goldenran, Syveil, que me parece ansiosa para Vamir-Ún

tomar rédeas dessa reunião. Sento-me e observei cada um dos integrantes abaixo.

Além de Vamir, Lerith e Elzel,

encontravam-se representantes de cada cidade: Keerla de Eleron, Arlyana de

Escribia, Lorsan de Simétia, por fim, Arun de Curiethe. Todos eles em uma mesa

redonda.

Vamir-Ún com seu cajado bateu

no chão de madeira para iniciar a sessão.

— Senhoras e senhores, estamos

aqui, pois um livro foi encontrado e ele está cercado de uma grande magia que

acreditamos ser de origem divina, além disso, existe a possibilidade de ser o

livro da sabedoria de Fremita. Agora ele está em nossas mãos, temos que decidir

seu destino. Cada um de nós tem um minuto para opinar se abriremos ou não o

livro. O novato Elzel pode ter a honra começar.

Me curvo para ouvir cada

palavra dele. Elzel não parece um novato no meio de gigantes, mas alguém que

têm a confiança dos próprios deuses, ou pelo menos aparentava.

— Grandes elfos e elfas de

Goldenran, com certeza somos a raça pioneira desse continente, temos grandes

estruturas, somos os mais inteligentes, porém não somos imortais, muito menos

deuses. Esse livro é de um poder que não temos moral ou habilidade para o

manuseio. Não faltam exemplos na nossa história do que o poder pode fazer com

um elfo, como já se sabe, estudamos história para não cometer os mesmos erros.

Com certeza, isso é um teste das divindades, portanto, devemos apenas deixá-lo

como um tesouro sem consultá-lo, ou sequer abri-lo.

 

 

    Um discurso simples, mas

eficaz. O poder pode corromper um elfo, sendo assim, aquele livro deve ficar

apenas a mostra no museu de Tecnicia. Meu filho parece contente com o discurso,

mas logo sua glória é colocada de lado para o próximo na ordem, Lorsan. E assim

foram dadas as opiniões de cada um até, finalmente, a vez de Vamir.

— Elfos e Elfas de minha nação

de Goldenran, como vosso imperador eu vos digo: estamos perdendo influência sobre

Millinar. Estamos há muito tempo isolados na floresta, perdemos recursos, os

elfos não estão mais em sua glória e eu pergunto a vocês: Qual o motivo para a

Fremita deixar seu livro nas minas de Goldenran? Foi sua preferência conosco, é

claro, não aceitar sua dádiva é a verdadeira blasfêmia. Façamos uso desse

tesouro para nos reerguer, espalhar a luz elfírica por toda Millinar! —

Expressou de forma fervorosa.

    Após mais extensão do discurso

que eu simplesmente discordo, a votação iria acontecer.

    A votação ficou em: quatro

votos a favor de abrir o livro e três contra. A essa altura o livro já está

emanando muita magia, como se estivesse pedindo, implorando, para que fosse

aberto. Qualquer um naquela sala podia sentir isso. Os votos contra vieram de Elzel,

Lerith e Keerla, que no fim, ficou convencida após o discurso de Elzel.

    Após a apuração dos votos,

todos apreensivos. O livro parecia assistir a tudo e começa a emanar traços de

magia para cada oratória dos representantes.

    Logo ao perceber isso, Vamir

pega o livro pesado e passa sua mão na capa de veludo, admirando a obra divina.

Por fim ele abre a página e começa a ler os primeiros parágrafos.

Elzel havia enfatizado que o

livro era para mãos divinas, foi neste momento que percebi que o plano dos deuses

era testar a humildade das raças. Os elfos fracassaram. Por consequência, uma

maldição é lançada àqueles na mesa, sua tão famigerada beleza e feições faciais

iam sendo distorcidas.

    — Elzel! Saia daí! — Eu grito

com todo o ar dos meus pulmões.

    Mas antes que pudéssemos fazer

algo por aqueles que estão próximo ao livro, uma névoa negra acompanhada por

raios cegantes sai das páginas e envolve todos ali.

    Ficamos com medo, tensos, é

algo desconhecido. Uma sensação que em milênios nós elfos não sentíamos, ou sequer

lembramos de como era. Eis que isto era o desespero de nossas limitações, nossa

mortalidade. Ouço os gritos de dor e lamentos de todos que estão na mesa

redonda. Não consigo acreditar naquilo, meu filho, naquele caos... Antes que

pudesse pensar no que estava prestes a fazer, pulo a bancada e me adentro

naquela névoa, para minha surpresa, Syveil fez o mesmo por seu imperador.

    Não enxergo nada, ora pela luz

ofuscante, ora pelas trevas absolutas, mas ouço os gritos de dor e reconhecia a

voz de Elzel, então, guiada pelo instinto, eu sigo até onde ele estava sentado,

agarro o braço de Elzel e o puxo para o primeiro canto em que poderia ver seu

rosto.

    Arrependo-me de procurar pelo

seu rosto, ele está totalmente desfigurado com escoriações pelas as maçãs do rosto,

as orelhas teriam virados chifres, dentes viraram presas, olhos ficaram

vermelhos, ele está atingindo traços de bestialidade.

 

    — Elzel, por favor, fale

alguma coisa! Não, meu filho, não posso perder você também!

Ele está em suas últimas forças,

físicas e mentais, ele simplesmente coloca a sua mão atrofiada em meu rosto.

    — Mãe, eu não consegui... Me

perdoe.

    — Não, Elzel! Você sempre será

meu orgulho, meu guerreiro e para sempre amor da minha vida.

    — Mãe, por favor, pegue os

outros e saia do prédio, Lerith e os representantes estão cada vez mais

ensandecidos e não sei se conseguirei aguentar, por favor, sempre te amei e não

pude dar a vida que merece. Mãe, por favor, saia...

Eu não quero sair. Abraço com

muita força meu filho, desejo que isto seja apenas um pesadelo, mas sei que é

real, só consigo voltar a sanidade quando sinto ser puxada por Syveil e a

esposa de Lerith, que assim como eu, estavam quase se afogando em suas

lágrimas. Não temos escolha, saímos do salão e trancamos a porta com selamento

mágico, mas não antes de dar uma olhada na criatura que um dia fora meu filho.

Saindo do prédio, apesar de

estar recebendo luz do sol, estou desolada. Caí de joelhos na grama e me

debulho em lágrimas. O primeiro dia de Elzel como conselheiro... Foi seu

último.

    — É essa a punição dos deuses?

Tentamos ascender para os deuses e eles nos rebaixaram para bestas. Elzel

estava certo, o poder nas mãos erradas corrompe.

    Depois de minutos que

pareceram horas, olho para o prédio de Irnacilio, agora inacessível por ordem

da imperatriz. Penso em todas as vitórias e potenciais que ele teve, não vou

desistir dele, assim como ele jamais desistiria de mim.

Depois de alguns dias, muitos

já o consideravam morto, mas não para mim, se para isso eu precisar de magia

dos deuses, ou ir contra elas, eu farei.

    A mesma magia que foi usada

para a punição poderá ser usada para redenção dos elfos.










        Eu irei retornar.

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