Liffity - Além do arco-íris

Titulo do capítulo: Prólogo

Autor: Ana Maitê

2 dias antes



Era um dia ensolarado. Ângela levou as filhas para a escola pessoalmente, o que não era muito comum na família Dramming. Apesar de ter vários olhos nas meninas, não as sufocavam com seguranças visíveis, constrangendo-as o tempo inteiro. 

Na verdade, na maior parte do tempo elas nem ao menos sabiam que estavam com cerca de quatro ou cinco seguranças descaracterizados ao seu redor.

Aquele de fato era um dia diferente. A mulher aproveitava cada momento com suas princesas, pois a qualquer instante poderia ser o último e ela tinha consciência disso. 

Tinha uma missão e não cumpriu, o que desencadeou consequências gravíssimas, mas estava disposta a pagar o preço, afinal era o amor, a vida em pessoa e não deixaria que ninguém pagasse por um erro que ela cometeu. 

Além disso, faria qualquer coisa de bom grado para que suas duas meninas tivessem um pouco a mais de tempo para viver uma vida o mais plena possível e com liberdade. 

E foi por esse motivo que ao parar em frente à escola, não destravou o carro, mesmo sabendo que era seguro deixar que as meninas partissem e Rubi, a gêmea mais velha, que tinha uma conexão única com a mãe, perguntou com voz aflita:

— Tem certeza que precisa mesmo ir? 

Ângela olhou atentamente para a garota. No auge de seus quinze anos, tinha cabelos claros, longos e ondulados, pele de porcelana e olhos verdes como esmeraldas - iguais aos de seu pai - e era o seu maior orgulho. E com esse pensamento, a “mulher” conseguiu sorrir ao responder para a filha:

— Sim, meu amor, infelizmente preciso estar em Londres ainda à noite. Gostaria muito que fossem comigo, mas não está no meu alcance permitir.

Rubi conseguiu pegar o que não foi dito nas entrelinhas. Se a mãe não podia permitir, provavelmente algo muito sério a impedia. A jovem sentiu as batidas de seu coração acelerarem com o pensamento, mas antes de conseguir se identificar com qualquer sentimento, sua irmã falou:

— Vamos ficar bem — Cristal deu um beijo na mãe e saiu do carro, passando pelas proteções da mais velha sem ao menos perceber. — Sabe como Rubi é dramática.

Ângela também observou a outra filha. Gêmea de Rubi, era idêntica à irmã fisicamente e embora aparentasse estar sempre de bem com o mundo, sempre calma e serena, era ainda a filha da morte. Apenas escuridão espreitava da jovem, mesmo que quem a olhasse visse apenas luz e o segredo que escondia...

 Ângela sabia que apesar de todos os seus esforços, não conseguiu descobrir, mas imaginou que se a garota se abrisse com alguém – certamente não com ela, porque não tinham uma conexão muito definida – talvez a ajudasse a dissipar um pouco daquela escuridão.

— Cuida da sua irmã, filha — a mulher beijou a mão da garota — e lembrem-se: discrição é tudo. Não confiem em ninguém até que eu ou seu pai diga — com todas as letras, ela quis dizer — para confiarem. E se comportem. A união de vocês é o que faz a diferença.

Mesmo que as palavras pudessem parecer estranhas, as garotas compreendiam. Na verdade, quase todas, porque Ângela mandou Cristal cuidar de Rubi, mas o que acontecia era sempre o contrário. Rubi era a líder entre as duas e sempre assumia toda a responsabilidade quando se tratava da irmã. 

A garota certamente não entendeu o que a mãe quis dizer, mas a irmã deu um leve, quase imperceptível aceno de cabeça para a mãe e a beijou antes de se afastar do carro, porque sua irmã já havia descido do veículo e também queria se despedir.

— Quando você volta? — perguntou Rubi, pegando a mão da mais velha e sentindo o seu calor passar por toda sua pele.

— O mais rápido possível. — Ângela não fazia promessas que não sabia se podia cumprir. — Vão, entrarei em contato em breve.

A mulher beijou as duas filhas e as observou enquanto entravam no prédio da escola e acompanhavam a amiga Julia para dentro.

Ângela então saiu em direção ao aeroporto.


***

Rubi estava com uma sensação ruim. Algo queimava em seu peito e se intensificou ainda mais quando viu sua mãe partir. Então o sentimento de perda aflorou. 

Cristal também estava diferente, e sabia que a irmã tinha certeza de que ela estava se encontrando com alguém fora da escola, mas não iria pensar nisso no momento. Não com Julia falando do novo lançamento da marca da sua família.

— Estou louca para dirigir um. É claro que terei que adular Eduardo muito para isso, mas em breve conseguirei. — Ela dava pulinhos de excitação.

— Eduardo é um louco em te deixar guiar uma máquina mortífera daquelas — rebateu Cristal, fazendo uma carranca.

— Você não sabe o que está perdendo — Julia mostrou a língua para a amiga.

— Adrenalina é vida maninha — falou Rubi ao se lembrar de uma vida antiga em cima das motos. Antiga porque Cristal descobriu e pôs fim à alegria dela, quando prometeu contar aos pais caso ela e Eduardo subissem de novo em uma moto para participar de motocross ilegais. — É uma pena você ser tão certinha.

— Alguém falou em adrenalina? — Eduardo e André, seu irmão mais velho, chegaram onde elas estavam.

— Só estávamos falando do novo lançamento, maninho. — Julia abraçou o irmão do meio já considerando agradar-lhe para ficar em frente ao volante daquele novo sonho de consumo.

— E o que você está fazendo aqui, André? — Rubi o cumprimentou com um abraço e um beijo no rosto.

— Sendo o responsável por Eduardo, é claro. Ele só vive aprontando. Não sei porque não o expulsam de vez, com certeza me daria menos trabalho. — Após cumprimentar a amiga, virou-se para a outra e a abraçou. — Como vai, Cristal?

A jovem enrijeceu ao toque de André, sua pele ficou fria como gelo e seu humor, sombrio. Ainda assim, ela sorriu como uma boa moça e respondeu:

— Bem — deu um beijo rápido em seu rosto e afastando-se, um abraço apertado em seu irmão. — Preciso ir, encontro vocês — se referiu às meninas — na aula.

Cristal saiu o mais depressa possível. Não conseguia ficar muito tempo perto de André.  Saiu do edifício da instituição e procurou o rapaz que sempre encontrava na praça em frente à escola, mas assim que o encontrou, sentiu algo estranho em seu peito.

Cristal esperou a sensação ruim passar, afinal havia acabado de se encontrar com André e bem, ainda não havia superado o passado.  Não tinha nada a ver com a presença do garoto que agora sorria para ela, era o que dizia a si mesma.

— Oi — ela sentou-se perto dele, retribuindo o sorriso. — Como você está?

— Oi — ele beijou seu rosto desajeitadamente e o toque fez sua pele se arrepiar, mas não era da mesma forma que André fazia. Não, definitivamente a garota gostava do efeito que aquele garoto surtia nela. — Melhor agora, e você?

— Estou bem — Cristal deu de ombros, afinal ele não precisava saber que estava chateada. Olhou para o céu cinzento e falou com indiferença. — Minha mãe viajou hoje, e não sei quando vai voltar, talvez eu esteja um pouco mal-humorada.

— Sinto muito — ele pegou em sua mão e ela corou.

— Já estou acostumada, é só que... deixa para lá, não é importante, acho que sou eu que estou um pouco sensível — respondeu tentando demostrar o máximo de emoção possível passando-se por uma adolescente comum.

Na verdade, Cristal não entendia como essas viagens poderiam ser tão urgentes se, segundo ela, a mãe era apenas a mulher de um dos homens mais ricos do mundo, sequer trabalhava e passava menos tempo em casa que ela, sua irmã e seu pai juntos. 

Para Cristal, o único dever da mãe deveria ser apenas cuidar das filhas, algo que há muito tempo, notou, havia ficado em segundo plano.

— Você é encantadora. — Ele passou a mão em seu rosto, sua pele quente contra a frieza da jovem, que imediatamente tratou de aquecê-la um pouco, fazendo um bom trabalho imperceptível ao corar as maçãs do rosto. — Não se esqueça disso nunca.

— Nos vemos hoje à tarde? — perguntou, rendendo-se ao encanto do rapaz.

— Infelizmente não poderei. Passarei dois dias em Londres. Sairei daqui a pouco, meu irmão já deve estar me procurando. No sábado, pode ser?

 — Não vai dar, tenho compromisso no sábado — ela falou com pesar. — Mas no domingo estarei livre.

— Combinado! — Ele lhe deu um beijo no rosto e se afastou.

Então seu amuleto congelou. Algo em seu peito doeu e duas imagens vieram à sua cabeça: em uma a mãe estava nela e na outra o belo jovem sem nome. 

“Pesadelos acordada? Essa é boa, Cristal!”, pensou depois que a sensação estranha e bizarra desapareceu. 

Cristal não tinha tempo para preocupações mundanas, como aviões e coincidências, sua vida exigia muito mais dela do que pequenos problemas comuns de adolescentes normais, o que vez ou outra, a fazia sentir uma pequena pontinha de inveja.

A jovem encontrou a irmã e a amiga na sala de aula, como o combinado, mas Julia sentiu que algo estava errado no instante em que a viu. A jovem tentou procurar por entre visões do futuro o que estava para acontecer, mas nada encontrou. 

Rubi também estava com o sangue um tanto agitado e ela sabia, mesmo sem as visões proféticas da amiga, que algo muito ruim estava para acontecer. Ao sentir o cheiro de agitação das duas, Cristal pôs-se a funcionar no ritmo automático, sendo uma boa garota, doce e frágil enquanto escondia sua personalidade e seus sentimentos em um casulo impenetrável.

Quem as via perambular naquele dia tão comum de aula via apenas três das modelos teens mais bem pagas do mundo sendo adolescentes normais, mas estar na pele de qualquer uma delas revelaria que sabiam que o que estava por vir não era nem um pouco reconfortante.

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