
Liffity - Além do arco-íris
Titulo do capítulo: Capítulo 1 - Como a trata começou
Autor: Ana Maitê
Rubi estava no quarto tentando uma conexão com a mãe. Já tinha se passado dois dias e ela não entrara em contato. O conjunto exclusivo que seu pai lhe deu especialmente para a ocasião era lindo e normalmente ela se sentiria a deusa que realmente era, mas ainda assim não estava confortável.
Talvez fosse apenas coisa de sua cabeça, já que não gostava do modelo de sua roupa e muito menos desse tipo de evento e só o frequentava pelos zeros acumulados na conta e para manter a imagem da família em alta na mídia.
Ser modelo e garota propagada das marcas das famílias Dramming e Sales não era nem de longe algo que Rubi queria para sua vida.
“Em um futuro próximo”, pensava sempre que precisava se submeter a esses eventos, “em um futuro próximo eu me livro disso tudo e vou respirar o ar da liberdade.”
Já Cristal estava acostumada com a mãe não dar notícias e aparecer de repente, mesmo que dessa vez uma vozinha interior a atormentasse incessantemente dizendo que algo aconteceu.
Ela escolheu seu vestido no catálogo mais atualizado da família, embora simples, pois precisaria fazer "poses que rendessem", e pernas de fora era o que rendia, mesmo que ela preferisse algo mais solto e com menos frescura.
Argemiro, o patriarca da família, não voltou para casa naquela noite. Na verdade, havia dois dias que ele não aparecia em casa, mas com as agendas de tarefas lotadas, as garotas nem ao menos perceberam esse detalhe. Era rotina na família Dramming passarem dias sem se verem, o que geralmente fazia as herdeiras ficarem sempre em mãos de tutores ou seguranças.
Argemiro ficou “enrolado no trabalho” até tarde e ordenou que as filhas comparecessem ao evento, mas que não o esperassem.
Rubi achou que o pai soou estranho ao falar isso, com emoção demais nas palavras do progenitor, escutando mais do que sentindo sua possível dor no telefonema, mas entendeu que tudo não passava de paranoia da sua cabeça, já que andava muito sentimental ultimamente.
Assim as irmãs saíram apenas ao anoitecer, somente com o motorista acompanhando-as, até porque a festa estaria cheia de seguranças e Rubi não queria chamar a atenção com dois carros com o emblema da família desfilando por aí...
De repente o carro parou.
"Uma pane no sistema", dissera o motorista, que embora há poucos meses no emprego, sabia muito bem da responsabilidade de carregar as "pedrinhas preciosas" da família.
Sem alternativas, ele saiu para buscar ajuda deixando as irmãs sozinhas no veículo, já que no local estranhamente naquele dia estava deserto e não pegava rede de celular móvel. A escuridão era apavorante, sorte de o rapaz ter uma lanterna de bolso.
Sem ter o que fazer na escuridão em que foram deixadas, Rubi fez flutuar uma pequena bola de luz, do tamanho de uma bola de gude, para iluminar o interior do veículo. Cristal tateou o vidro à procura de qualquer sinal de que havia algo fora do lugar, mas nada encontrou. Suspirando, voltou a se aninhar no assento.
— Estranho, não? — Rubi perguntou, também apurando os ouvidos para escutar lá fora. — Está usando seu casulo de novo? Não escuto nada.
— Não, minha magia está neutra. — Cristal respondeu se certificando mais uma vez de que não usava seu poder bloqueador. — Realmente é estranho, não sinto nada, a não ser essa escuridão. E isso não cheira bem.
— E esse silencio está ensurdecedor, não estou gostando nada disso. Onde está o motorista?
Cristal procurou o pontinho luminoso que há poucos momentos se encontrava na frente do carro, mas só havia escuridão. Sentiu um frio anormal se alastrar por toda a sua espinha.
— Apague isso — murmurou para a irmã.
Rubi obedeceu. A eletricidade que passou pela irmã, ricocheteou nela mesmo, que sentiu como se sua pele inteira fosse queimada. Mais uma vez odiou estar com aquele conjunto que não lhe dava a oportunidade de se movimentar. Cristal, em pensamento, concordou com a irmã.
— Vou sair — Rubi falou de repente. — Não estou gostando nada disso. — A garota abriu a porta antes que a irmã pudesse protestar e pulou eficientemente para fora do carro.
Foi nesse momento que as duas souberam o que estava acontecendo. Com um baque de algo pesado caindo no chão, um som quase ensurdecedor para Rubi, com cheiro pungente de combustível, que deixou Cristal por alguns segundos atordoada e uma luz cegante, lá estava um veículo com o motor ligado atrás delas, um que aparecera do nada.
Dez segundos depois, Rubi ainda segurava a porta e Cristal ainda estava dentro do veículo, ambas imóveis, confusas, mas alertas, quando viram descer desse carro dois homens encapuzados.
"Era só o que faltava, ser assaltada no meio desse deserto", pensou Rubi.
— Entre no carro, princesa! — ordenou um deles, que se aproximou silenciosamente, como um gato concentrado em sua presa, com tal autoridade que fez o lado arrogante da menina aflorar.
— Não quero. Acabei de sair dele — respondeu ela indignada com o desaforo.
Quem era ele para chamá-la de princesa?
— Por favor — respondeu o homem erguendo a camisa e mostrando que estava armado. Se aproximou da garota e sussurrou: — você não vai querer deixá-la sozinha à mercê de dois estranhos, não é princesinha? Nunca se sabe o que pode acontecer...
Essas palavras a intimidaram, não porque ela tivesse medo daquele homem, mas porque seu parceiro já dava a volta no carro para entrar no lado do passageiro.
E por mais marrenta que fosse, Rubi amava a irmã, mais do que qualquer grife que existisse. Era como se ela fosse um pedaço de si que tivesse nascido separada do seu corpo.
Nesse momento, a adolescente sabia que tinha perdido a batalha. Ela poderia muito bem acabar com aquele homem, e sabia que o outro, seja lá quem fosse, não colocaria o primeiro pé no assoalho do carro sem Cristal o nocautear, mas havia certos protocolos a serem cumpridos.
“Se ao menos não houvessem cúmplices no carro de trás”, pensou antes de tentar conseguir mais alguns segundos.
— Por quê? — perguntou quase que em um sussurro.
— É preciso — respondeu o homem no mesmo tom da garota, logo após segurou seu braço com firmeza e a colocou de volta no carro. — E não tente nenhuma gracinha, não vai funcionar.
— O que está acontecendo? — perguntou ingenuamente, a doce Cristal.
Rubi suspirou. Era a hora da atuação, então. Ela pegou na mão da irmã, atenta aos sons dentro e fora do carro e apertou uma vez, duas, três. Precisavam sair dali.
— Não se preocupe, vai ficar tudo bem, confie em mim. — respondeu à irmã, abraçando-a e secando uma lágrima de raiva.
Ela sabia que do ponto em que estavam até o ponto em que iria ficar tudo bem, tinha um longo, muito longo, caminho a seguir, e que uma fuga era quase impossível sem usar magia.
Pensando que o carro estivesse quebrado, Rubi pensava em um modo de fuga no primeiro momento de descuido dos sequestradores, mas qualquer ideia que tivesse acabou quando o veículo foi ligado e começou a andar.
A desconfiança bateu em ambas, que para seu próprio bem permaneceram caminho de uma hora caladas, apenas observando movimentos de homens tão estranhos, percebendo também que o outro carro seguia atrás deles.
Pensando que seriam deixadas ao longo do caminho, ficaram chocadas quando perceberam que chegaram a um casarão. Depois do carro parado, desceram do outro veículo mais dois homens, pegando as jovens pelo braço e levando-as para dentro do imóvel e colocaram-nas sentadas em um sofá um tanto confortável para duas recém-sequestradas.
Estranhezas à parte, haviam seis homens com trajes muito parecidos, roupas pretas, luvas e capuz, todos com arma em punho, como se já esperassem um ataque. Rubi revirou os olhos e passou à frente de sua irmã, o que levou todos os homens a engatilharem suas armas, levantou-se do sofá e perguntou de forma rude:
— O que querem conosco? Acho que se enganaram, não vão querer duas adolescentes rebeldes com vocês.
— São as irmãs Drammig, não são? — perguntou um deles, ainda sem baixar a guarda, enquanto os outros mantinham as armas em punho.
— Isso não quer dizer que temos dinheiro. Acreditem, não será dado um único centavo a vocês por nossa causa. Não somos o tipo de celebridades que vai render milhões a vocês.
— Não queremos dinheiro. Queremos vocês — um dos homens falou em tom calmo, mudando a energia do ambiente.
Os pelos de Rubi eriçaram e seus olhos se tornaram vermelhos por um segundo. Cristal, no entanto, deu um pequeno sorriso, que sua irmã não viu, desafiando-os a tocarem nelas. A tensão era tão grande que o ar do ambiente parecia ter se cortado, como se fossem todos peixes fora d’água.
— Vocês são loucos — Cristal disse calma e sua voz saiu como seda a ouvidos muito atentos.
Rubi se perguntava se era ingenuidade ou loucura, mas a bela entendia muito bem o que estava acontecendo, apenas não se importava, porque enquanto ninguém as tocasse, ninguém se machucaria.
— Vamos acabar logo com isso! — falou outro homem, aparentemente aborrecido. — Qual das duas é a Cristal?
— Por que quer saber quem é a Cristal? — A própria estava desconfiada, já que essa era pergunta que definia o que cada uma delas era.
— Apenas respondam, por favor — o homem soou educado demais para o gosto de Rubi.
— Tudo bem, eu sou a Cristal! — respondeu a garota do fogo, sentindo seu poder emanar.
— Não, eu sou a Cristal! — a verdadeira Cristal respondeu, sentindo também o gelo em suas veias.
— Então acho que nós duas somos a Cristal, ou Rubi, como preferirem — Rubi tinha nos olhos malícia e ódio puro quando se aproximou da irmã de forma protetora.
— Eu sabia que iriam fazer esse jogo. Não adiantará tentar algo com elas agora, são muito astutas e estamos todos exaustos. Continuamos amanhã.
Rubi estremeceu. Continuar com o quê? Ela tinha a impressão que aquilo não era real. Não poderia ser real. Ninguém sabia da vida privada delas, ou pelo menos não era para saber. Cristal suspirou quase que imperceptivelmente, estava se cansando. Não estava com paciência para brincar de sequestrada. Olhou para a irmã com súplica, mas esta a ignorou enquanto monitorava os homens a sua frente.
Os outros homens assentiram ao seu líder, calados. Sabiam que estavam pisando em uma área minada.
Os doces olhos esverdeados, feito esmeraldas, das duas não expressaram medo, antes, Rubi expressava um ódio incontrolável e Cristal, mesmo que irritada, apenas inocência, apesar de ambas entenderem que a situação em que estavam as deixavam vulneráveis a qualquer maldade que aqueles homens aparentemente muito educados pudessem querer fazer.
Uma bandeja com água foi levada por um dos homens. Rubi se perguntou quando foi que ele saiu do alcance de suas vistas se um segundo atrás ele estava junto com os outros.
Somente então que ela percebeu que estava exausta, não dormira direito desde que a mãe viajou e arrumar uma briga com seis homens armados não a colocaria em vantagem alguma. Ela precisava dormir antes de se preparar para a guerra.
— Bebam — falou o homem, cujos olhos que apareciam sob o capuz eram tão verdes que faziam uma pedra de esmeralda passar vergonha.
Cristal inspirou. Era apenas água. Estava adulterada, mas apenas água. Não havia nenhuma droga ilícita, pois conhecia o cheiro de todas. Apenas algum calmante, que por sinal, percebeu ela ao ver o estado deplorável da irmã, seria muito bem-vindo. E concluindo que ela mesmo precisava de uma boa noite de sono, acenou, quase que imperceptivelmente, para a irmã.
Mas Rubi não queria facilitar as coisas. Se aproximou da bandeja se virou para observar os olhos de cada um deles e falou para o que ela pensou ser o líder deles:
— Eu vou fazer o inferno da vida de vocês! — E bebeu a água.
Não demorou e as duas logo apagaram, dormindo feito dois anjos que nunca foram. Os homens então puderam abaixar as armas, aliviados. Dois deles levaram-nas para um quarto e as deixaram dormir, apenas cobrindo-as com um cobertor.
***
No meio da madrugada, Rubi acordou com sua irmã ao lado, inspirando fundo, já que aparentemente tudo não tinha passado de um pesadelo e ela estava em seu próprio quarto, mesmo estranhando a presença da irmã.
"Deve ter tido outro de seus sonhos estranhos e veio para cá", pensou, "acho que precisamos urgentemente de um psicólogo, isso já está me afetando".
Ela acendeu o abajur, olhou as horas no celular. 4:30 da madrugada. Nada notou de diferente, nenhum som fora do lugar. Inspirou o cheiro de rosas que vinha da mesa de estudos no outro lado do quarto, tranquilizou seu coração e voltou a dormir. Ainda era muito cedo e seus olhos estavam muito pesados para fazer o que quer que fosse.