Meritíssimo Juiz

Titulo do capítulo: III

Autor: Joana Coelho

— Esse caso está suspenso por hoje. Amanhã retomaremos. Próximo caso. — ele parecia entediado o tempo todo, menos quando me olhava, o que não demorou muito para Ben perceber.

Desviei o olhar e saí do local, não anotei quase nada, se não fosse pelo Ben eu estaria na rua, não que eu não cumprisse com meu dever, só não tive, podemos dizer, cabeça para escrever tudo o que aconteceu. Esse era um fato que eu achava muito errado na empresa, assistir e anotar tudo ou gravar para ir para análise e descobrir o ponto fraco dos demais, ou adotar as táticas deles.

No Brasil, um advogado ter um escritório próprio é muito maneiro, mas em Londres, trabalhar para uma empresa é mais ainda. Nunca peguei um caso grande, só divórcio, leitura de testamento e organizar documentos e provas importantes. Meu sonho de ser a advogada durona está longe de ser cumprido.

— Hei, o que acha de a gente sair hoje? — Ben arrancou com o carro.

— Ainda tenho coisas para fazer. — respondi.

— Não, senhora! Podemos trabalhar em casa, esqueceu?

— Sim, mas não esqueci do seu encontro. — virei o rosto para a janela.

— Merda. — ele bateu no volante.

— Ah! Muita, muita mesmo. Ainda mais quando ela abrir a boca e começar a relembrar os tempos da faculdade.

— Se o que vou fazer não der certo, você, pelo menos, poderia estar lá para me dar apoio. — ele parou no farol e me encarou. Ben tinha os cílios loiros, e a barba começava a crescer também.

— Não sei. — não conseguia negar nada para ele, e isso era um saco. Fora que ver a decepção no rosto da vaca, seria revigorante — Amanhã tenho o restante do julgamento para assistir, não quero chegar atrasada.

— Sei, por favor, pequena… me ajuda. — ele me olhou de lado. — Só dessa vez.

— Tá bom. Mas se não der certo, você paga a bebida.

Benjamim não falou mais nada até me deixar em casa, mas a cara de felicidade dele estava me deixando nervosa.

Pelo que fiquei sabendo, eles iam comer num restaurante legal dentro de um hotel, era o mais caro da região. Ainda bem que tinha um barzinho. Não bebo muito, mas ficar vendo seu melhor amigo dar o fora em uma garota, merecia um bom vinho.

Tomei meu bom banho demorado e escolhi um vestido preto sem manga, meus sapatos vermelhos, deixei meu cabelo solto e pronto.

Sete e meia. Encostada na janela, olhei novamente no relógio, já tinha visto o mesmo carro passar três vezes, bem devagar olhando para dentro de cada casa, do condomínio.

Alguém passaria por apuros em poucos dias. Meu pai sempre me alertou sobre esse tipo de coisa. Eles vigiam você, sabem toda a sua rotina, e num furo pequeno, já era. Daí em diante, é só Deus para te ajudar.

Esse era um condomínio de luxo em Londres, embora novo. Eu contava com mais segurança pelo porte das casas, a maioria com portas de vidro assim como a minha, ou outras que as paredes da sala, eram feitas todas em vidro. Com exceção da primeira casa, ela pertencia à família dona do condomínio, essa era toda fechada, magnífica, toda rodeada de cerca viva. Havia rumores de que ela estava vazia desde que fundaram o lugar.

O celular tocou me assustando, o procurei  com os olhos e quando voltei minha atenção para a rua, o carro já tinha ido embora, mas a sensação de que alguma coisa estava errada pairou no ar.

— Alô!?

— E aí? Como estou?

— Como vou saber, Ben? Ainda não tenho olho biônico.

— É só olhar pela janela.

Corri até a janela e olhei para fora. Ele estava de terno, não como todos os dias, estava diferente, bonito, e tinha um arranjo de flores na mão esquerda. Quando me viu, abriu os braços e deu uma volta, exibindo o visual.

— Já estou indo. — desliguei o telefone e corri, parei em frente ao espelho pequeno, respirei fundo e abri a porta.

— Poxa! Você não se arruma assim quando sai comigo. — Ben me deu um beijo demorado, no rosto.

— Se você me levasse a lugares assim, ao invés de inventar lugares exóticos, com comidas horríveis…

— Toma. São para você. — ele me estendeu o arranjo.

O que se passou naquele momento, foi muito constrangedor, eu não sabia o que fazer, em anos de amizade nunca ganhei um arranjo de flores. Ben era do tipo que arrumava sempre um bom motivo para me presentear, mas nunca com flores, ele mesmo teve uma péssima experiência.

— Ah! Ben! São lindas, não precisava se preocupar… estou indo fazer meu papel de amiga. — agarrei meu presente.

— Eu só queria te dizer, que não estou te fazendo me esperar como uma idiota.

— Não precisa me dar explicações, você é meu amigo, fora isso, tem sua vida sentimental. — ele fechou a cara.

— Isso é assunto para outra hora. Agora vamos logo. — ele tentou me puxar pelo braço, finquei os pés no chão. — O que foi?

— Não acha que vai ficar estranho a gente chegar juntos? — ele me deu outro tranco. — Ben, pensa.

— Não. E se ficar pouco importa. Já estou farto de fazer tudo pra agradar as pessoas.

Muito bonito da parte dele, me querer por perto, só tinha medo de apanhar por causa disso. Tentamos falar sobre o julgamento e tudo que ambos anotamos, sempre começávamos sérios e acabávamos rindo. Ele parou o carro e descemos. Cada um seguiu seu destino, ele ao encontro da parceira da noite, e eu ao bar.

Mandei um beijo de onde eu estava para ele. A loira fingida nem percebeu. Ben apertou os lábios e ficou vermelho, se estivesse por perto, ele teria ficado bravo. A reação dela nem queria pensar. Mas seria muito engraçado.

— Uma taça do seu melhor vinho, por favor. Ah! E coloca na conta daquela mesa. — sentei na banqueta alta do bar enquanto o garçom pegava uma taça.

Me peguei pensando se algum dia eu estaria no lugar dela. Não com o Ben e nem prestes a levar um fora, mas com alguém que me fizesse sorrir, não que o Bem não fizesse, ele era engraçado, charmoso, do tipo que fazia as mulheres pirarem, só que nossa relação era diferente. Via ele como meu irmão e amigo, não de outra forma, nós prometemos nunca mais pensar, ou tentar ter um relacionamento, isso poderia pôr um fim na nossa tão perfeita amizade.

Me sobressaltei quando ele olhou na minha direção e piscou. Logo iria começar o lenga-lenga dela, tentando mostrar que mudou.

Duas horas se passaram e eles ainda estavam conversando, trabalhei mesmo sentada em um bar onde poderia ir à procura de um homem lindo. Li e respondi alguns e-mails no meu celular novo e de tela quebrada, anotei o que me lembrava dos referidos advogados e seus clientes. Voltei aos e-mails e já estava perdendo as esperanças quando vi um, diferente dos muitos. Meu coração saltou tão forte que senti um gosto de algo metálico na boca, perdi o foco e a audição, precisei limpar a mão para continuar. Se eu tivesse força.

— Quanto tempo vai precisar para ter certeza de que ele não vem?

Meu celular escorregou da minha mão e, por pouco, não caiu para o outro lado do balcão, e novamente o gosto de metal veio até minha boca.

O dono da voz mais grave que já ouvi, era um homem alto, na casa dos quarenta pelos fios grisalhos, embora o corpo ainda estivesse definido embaixo daquele terno cinza.

— Desculpe. — ele exibiu um sorriso perfeito. — Te vi quando chegou e não vi ninguém te procurar, então, pensei que uma mulher tão linda não poderia ficar sem alguém para conversar. A propósito, me chamo Andreas. — ele estendeu a mão, era nítido o sotaque italiano dele.

— Marjorie. — aceitei a mão dele. — E não estou esperando ninguém, só vim acompanhar um amigo e resolvi ficar mais um pouco. Mas já estou indo embora.

— Aceita uma bebida?

— Já bebi minha cota de hoje. — respondi cordial.

— Por favor. Uma taça de champanhe? Uma única taça e te libero. Diz que acompanha esse pobre homem.

— Tudo bem. — olhei para o Ben, mas ele estava tão ocupado dando desculpas que nem me notou.

Tomei meu champanhe ouvindo histórias de bar, que só homens ricos e solteirões sabem contar. Penso que saboreei mais as histórias. Além disso, descobri que minha dedução estava certa.  Andreas veio da Itália por causa de um irmão. O cara era de família rica, umas das mais influentes por lá.

— Preciso ir. — me levantei.

— Espera aí! A noite nem acabou ainda. — ele me puxou com certa força.

— Amanhã entro muito cedo no trabalho, e não gosto de ir de ressaca. — Andreas aumentou a pressão em meu braço, olhei dele para Ben. Mas o corno manso não olhava para mim… eu queria gritar.

— Eu te levo Mar… como é mesmo seu nome? — já podia sentir o cheiro do álcool no hálito dele. — Tem algum apelido?

— Eu… — engoli em seco. — não. Gosto que me chamem pelo meu nome e, me desculpe Andreas. Preciso mesmo ir. — o sorriso se desmanchou, ele cravou os olhos em mim e se levantou.

Nessa maldita hora, procurei pelo Ben e, para a minha surpresa, ele tinha ido embora. Partiu sem mim, e levando a vagabunda com ele. Andreas percebeu e olhou na mesma direção. Aproveitei a chance e corri para fora com o telefone na mão trêmula enquanto tentava discar para um táxi. Senti o vento da porta se abrindo, minhas pernas viraram geleias enquanto passos se aproximavam, e o dono dos passos me puxou pelo ombro.

Dove pensi di andare? (Onde pensa que vai?) — Andreas tinha um olhar de malícia e maldade. — Está sozinha, deveria aceitar uma carona, ragazza.

— Aprendi a não aceitar carona de estranhos, signore(Senhor). — ele só me soltou para rir. Pelo jeito era do meu italiano falido.

— São quase duas horas da manhã, ninguém vem te buscar, garota.

Deus me ajude! Ele levantou a mão e estalou os dedos, um homem saiu das sombras, pegou as chaves e foi até o estacionamento do hotel.

— Eu não vou com você! Não te conheço. — ele virou o rosto para me encarar, me arrependi na mesma hora.

— Deveria ter pensado antes de entrar para essa vida, querida. — Andreas aproximou a boca do meu rosto, me fazendo respirar o hálito quente dele.

De repente, achei minha roupa muito vulgar, minha maquiagem marcante demais, e tudo fez sentido. Aquele bar, assim como os outros, era frequentado por prostitutas, as mais caras.

— Você está enganado! Eu não sou uma… uma… você sabe. — até dei uma risada amarela.

— Não? — a expressão dele era de puro divertimento. — Mesmo assim irá comigo.

— Ela não vai com ninguém. — Andreas titubeou, o aperto em meu braço afrouxou. Ainda segurando em mim, ele virou para encarar um Benjamin furioso.

Ben estava com a camisa pra fora da calça, as mãos nos bolsos, e um olhar severo tanto para mim, quanto para o homem. Já vi ele se envolver em brigas na faculdade e, acredite, a coisa era feia.

— Marjorie, você está bem? — Ben me puxou para perto dele e olhou em cada parte visível minha. Só concordei com a cabeça. — Ótimo! Agora vamos pra casa.

— Espera aí? Você aparece do nada, toma ela e vai embora? — Andreas cambaleou até ele e fechou os punhos.

— Me desculpe, senhor. Se quiser, posso chamar a polícia e te indiciar por estar ameaçando a moça. Pelas marcas nos ombros dela, configura agressão e, finalmente, o assédio sexual. Agora deixa eu ser franco. Não pedi pra levar a moça. Vou levar e pronto. Agora vai para casa e tome um banho, quando a bebida baixar, pense direito.

Ben saiu me puxando e, praticamente, me enfiou no carro, se jogou no banco dele e arrancou com tanta força, que senti meu corpo indo para trás. Ele estava tão bravo que batia no volante. Quando ele fazia as curvas fechadas, dava a impressão que eu ia voar pra fora do carro, e ainda por cima, eu estava tão nervosa que não conseguia colocar o cinto. Ele não parava nos sinais, me convenci de fechar os olhos e só abrir quando o carro parasse. E quando o fez, respirei fundo, feliz por estar inteira, e assustada pelo que viria.

— Ben... — apontei para a casa dele.

— Cala a boca! Vamos ter uma conversa séria quando entrarmos.

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