
O Casamento
Titulo do capítulo: Presente de um pai
Autor: Tatiane B Simões
Samuel entra no quarto depois de muito tempo chorando. Olivia estava deitada, um tanto preocupada, pois fazia algum tempo que seu pai não vinha vê-la, e sentir a presença do seu pai transmitia calma. Samuel vê sua menina ali, deitada numa cama fria, ligada a vários aparelhos. Ele senta na poltrona e Olivia vira a cabeça para que seus olhos encontrem os dele.
— Pai, que bom que voltou. Estou com tanto medo. — Olivia tenta falar pausadamente. Sua respiração está cada vez mais lenta.
— Meu amor, não tenha medo. Estou aqui com você, só para você. — Mesmo querendo demonstrar força, as lágrimas que ele tanto segurou para não derramar na sua frente foram em vão. Elas caíam uma atrás da outra. Ele aperta a mão da sua menina, levando-a para um leve beijo, e treme ao sentir o quanto está gelada. — Está com frio, minha vida?
— Não sei, papai. Eu já não sinto mais nada.
Nesse momento, Samuel chorou feito uma criança, abraçado em sua filha. Cecília tenta de todo jeito acalmar o seu marido, mas é inútil. Ele está morrendo por dentro, vendo sua filha partir.
— Papai, os médicos já disseram que eu vou morrer. Por isso que está chorando. — Sua voz doce e delicada sai como um sussurro, quase inaudível, mas foi suficiente para que o mundo de Samuel desabasse.
— Não, não, meu amor. Você não vai morrer. Deus, que é tão grande, não permitiria que eu perca o que eu mais tenho amado nesse mundo. — Fala com a voz embargada pelo choro.
— Quando a gente morre, vai para algum lugar, papai? Pode ver lá de cima a sua família? Sabe se um dia eles podem voltar?
Samuel estava destruído. Sua vontade era pegar sua menina dali e sair para bem longe, procurar alguém que pudesse a salvar, mas nesse momento a única coisa que ele podia fazer era responder suas dúvidas, mesmo que cada palavra estivesse o matando a cada segundo.
— Bom filha, na verdade, ninguém nunca voltou de lá e contou algo sobre isso, porém, saiba que se eu morrer, nunca, em hipótese alguma, te deixarei só. Te prometo que onde eu estiver, buscarei uma maneira de me comunicar com você. Mas se não for possível, filha, utilizarei o vento para te ver! Para beijar esse lindo rosto, olhar nesses lindos olhos e sentir o abraço mais gostoso desse mundo. — Um sorriso fraco sai dos lábios de Olívia.
— O vento... e como você faria, papai?
— Não tenho a menor ideia, minha filha. Só sei que se algum dia eu morrer, sentirá que estou com você quando o suave vento roçar o teu rosto, ou uma brisa fresca beijar a tua face. Serei eu dizendo que estou ali por você. Tenha a certeza de que nem mesmo a morte me afastará de você, porque você foi o presente mais lindo que alguém já me deu nessa minha vida.
— Pa... pai... — Nesse momento, os aparelhos apitam e os médicos entram correndo, pois ela tinha acabado de ter uma parada cardíaca.
— Por favor, Samuel, me espere lá fora. — Manoel, o médico da família, fala tentando soltar a mão dele, que segurava firmemente a de Olívia.
— Não, eu preciso falar com você, é urgente. — Samuel diz vendo que o coração dela voltou a bater.
O médico leva ele para o seu consultório, deixando Cecília e Samantha com Olívia, que depois do susto dormiu um pouco.
— Quais as chances dela conseguir um doador? — Ele fala sem olhar para o Manoel.
— Amigo, sinto muito, mas...— Seu amigo médico já não tinha esperanças, era questão de dias, horas ou até minutos para que o coração da Olivia parasse de bater.
— Você me promete que, se esse doador chegar, ela ficará bem e terá uma vida normal?
— Sim.
Nesse momento, Samuel levanta, olha nos olhos do seu amigo e sai. Manoel tenta de todos os modos impedir que ele vá, mas sem sucesso. Ele para quando vê Samuel entrando no quarto e só agora ele respira aliviado, pois estava pensando que ele poderia tentar tirar a vida de alguém para fazer o transplante...
— Meu amor, de todas as minhas orações atendidas, vocês foram as que eu mais agradeci — ele fala segurando na mão da Cecilia e sua filha Samantha. — Obrigado, amor, obrigado por ter me dado a chance de te amar, de me dar meu primeiro amor, que foi você, filha, e saiba que eu te amo mais que tudo nesse mundo. — Cecília e Samantha abraçam ele chorando. — Eu amo vocês! Se puderem, fiquem aqui um pouquinho, vou em casa trocar de roupa e já volto.
— Descansa um pouco, amor, tenta comer algo. Faz 15 dias que você não sai desse hospital — fala a sua amada esposa, dando-lhe um beijo carinhoso. Ele retribui, olha nos olhos dela como se quisesse deixar gravado na sua mente.
Minutos depois, ele se aproxima de Olivia, olhando seus pequenos lábios que tanto sorriam, já quase sem cor, seu lindo rosto que antes vivia corado por suas bochechas rosadas, agora esbranquiçado.
— Ah, minha princesa! Como você é linda. Nada desse mundo vai te tirar aqui do meu coração. — Samuel se abaixa, sente o doce perfume da sua menina, dá um beijo em sua testa e sai sem olhar para trás.
No carro, ele se debruça sobre o volante e chora.
— Meu Deus, um coração! Onde conseguir um coração? Onde, meu Deus?— Em desespero, ele dirige até sua casa.
Toma um banho, pega o celular e faz algumas ligações, resolve algumas coisas que não poderia deixar para depois. Longas três horas de angústia para aquele homem que nunca temeu nada, agora se vê chorando em cada canto daquela casa. Entrando no carro, ele toma uma decisão...
Nesse mesmo mês, Olívia fará seus tão sonhados 15 anos. E foi numa sexta-feira à tarde quando a notícia de que conseguiram um doador foi dada para Cecília.
— Graças a Deus... Samantha e Cecília se abraçam felizes, porque sua amada filha ficará bem...
Olivia foi operada e tudo saiu bem. Ela permaneceu no hospital por 15 dias. Cecília vivia chorando pelos cantos, ela não entendia o porquê. Nesses 15 dias, nenhuma vez seu amado pai foi visitá-la, fazendo Olívia se fechar um pouco. Cada vez que a porta do quarto era aberta, seus olhos procuravam por ele. Visitas e mais visitas, mas nenhuma era quem ela realmente queria abraçar.
Olhando as fotos dela e de seu pai pela tela do celular, ela acaba chorando de saudade. Encosta a cabeça no travesseiro e finge estar dormindo.
Olívia estava ansiosa para ir embora e, naquele mesmo dia, os médicos deram alta para ela.
No caminho de volta, ela não parava de falar sobre seu pai, tentando buscar uma explicação do porquê ele não a visitou.
Enfim, chegaram em casa. Olívia, com sua ansiedade, saiu do carro correndo, sem se importar com os pontos que ainda estavam doendo. Hoje era seu aniversário e a alegria que estava sentindo, em estar bem e poder comemorar mais um aniversário com seu pai, não tinha dinheiro nenhum que pagasse.
— Pai, onde você está, papai? — Olívia gritava sem parar.
Entrou no escritório, na cozinha, procurou na varanda onde os dois passavam horas conversando, até que sua mãe sai do quarto, com os olhos molhados de lágrimas, já não aguentando segurar a dor que ela vinha carregando.
— Minha filha, essa é uma carta que o seu pai deixou para você e me pediu para entregar hoje, que é o seu aniversário.
Olívia fica imóvel por alguns minutos, um sentimento estranho surge em seu peito. Pegando a carta, ela fecha a mão e sai correndo para procurar por toda a casa. Até que, com lágrimas nos olhos, ela percebe que ele não está ali. Ela senta na cama e resolve ler o papel que ainda está em suas mãos, mas o que está escrito ali a faz desejar a morte.
"Oi meu eterno amor!
No momento em que ler a minha carta, já terá completado os seus sonhados 15 anos, e um coração forte batendo no seu peito.
Bom, essa foi a promessa que o seu tio Manoel e os médicos que lhe operaram me fizeram.
Você não pode imaginar nem remotamente quanto lamento não estar ao seu lado, poder te abraçar e dizer o quanto orgulhoso e grato sou por Deus ter me dado você de presente.
Preciso explicar a ausência desses dias, sei que passou tantas coisas na sua linda cabecinha, mas saiba que se eu pudesse, nunca deixaria você sozinha. Quando soube que morreria, decidi te dar a resposta da pergunta que me fez quando tinha apenas 7 aninhos, a qual não pude responder naquele momento.
Decidi te dar o presente mais bonito, o qual ninguém jamais faria por minha filha. Te dou de presente a minha vida inteira, sem nenhuma condição, para que faça com ela o que quiser. Só lhe peço, filha, viva! E saiba que te amo com todo o meu coração!"
Com aquele pequeno pedaço de papel em mãos, ela chorou o dia todo e toda noite, até ser vencida pelo cansaço.
Na manhã seguinte, ela acorda com os olhos inchados de tanto chorar, com uma dor enorme no peito. Mas não era dor física, era a dor de ter perdido seu herói, seu melhor amigo, aquele que, mesmo com o mundo desmoronando, se estivesse ao seu lado, tudo ficaria bem.
Limpando os olhos, que já estavam molhados pelas lágrimas, ela entra no banheiro do seu quarto, toma um longo banho, veste sua melhor roupa, a mesma que foi desenhada por Samuel, e caminha em direção ao cemitério. Entre passos lentos, ela senta ao lado do túmulo do seu pai e chora, chora tanto como ninguém poderia chorar. Em meio às lágrimas e soluços, ela abraça o mármore gelado e sussurra:
— Oi, pai. Agora posso compreender o quanto me amava. Saiba que eu também te amava, apesar de nunca ter te dito. Pai, agora consigo ver a importância de dizer "eu te amo". Eu te amo, eu te amo, meu pai! Quero te pedir perdão por ter ficado em silêncio em cada abraço seu, por não ter enxergado que sempre fui a menina dos seus olhos. Tantas vezes me calei, mas você sabe que não era por maldade. Acredito que me acomodei ouvindo todos os dias o seu "eu te amo". E hoje, o que me resta é só a saudade. Saudade de ser acordada com um beijo de bom dia, saudade de ser amparada cada vez que caía, saudade de deitar na rede e ouvir suas histórias, saudade de deitar na cama antes de dormir e ouvir o seu "eu te amo, minha filha".
Nesse instante, as copas das árvores balançavam suavemente, fazendo cair algumas folhas. O vento soprava suavemente, tocando a face de Olivia, imediatamente, ela olhou para o céu, tentou enxugar as lágrimas do seu rosto, mas se levantou, deu um sorriso e sentiu como se fosse o beijo do seu pai.
— Obrigada, pai, por nunca ter quebrado a sua promessa. Hoje, sinto você vivo aqui no meu peito, pois carrego comigo o melhor presente que eu poderia ter ganhado: o seu coração. Te amo por toda a minha vida, e saiba que sempre vou honrar o seu sacrifício e cumprir a minha promessa de ser feliz. Obrigada, meu pai, pelo lindo vestido desenhado, mas hoje ele já não vai fazer diferença, pois a única coisa que eu queria era ter você ao meu lado.