
O Retorno do Lobisomem Rei
Titulo do capítulo: Amor Proibido Que Se Torna Maldição
Autor: T. J. Oliveira
CASARÃO DOS ELRON – NOITE
— O que você está pensando, meu marido? - eu já sei o assunto, mas pergunto querendo me aprofundar nele, no entanto, a resposta que está por vir me dá medo. Não é o caso de eu ser mulher e não ter vez nas decisões, mas muito pelo contrário, sou eu quem comanda nessa família, porém, o medo de ele agir impulsivamente é o que me apavora. Eu conheço bem meu marido. Os anos se passaram desde nosso namoro arranjado por nossas famílias, na verdade, tempos difíceis para quem era romântica e queria casar com o grande amor da vida. A única coisa que fiz querendo foi casar virgem, o resto, foi tudo obrigação, no entanto, hoje, olhando para trás, foi até bom. Não me arrependo de nada nem do que eu fiz ou meus pais fizeram e ele nesta questão da impulsividade só piorou. E mesmo tendo nossa filha envolvida, eu temo que o pior possa acontecer, pois ele não mede esforços para agir, ainda que de cabeça quente, e resulta sempre em desastre. Tentarei desta vez não ser tão passiva e agirei…
Ele está de fato concentrado que nem respondeu a minha pergunta até agora! O jeito é perguntar de novo…
— O que você está pensando, meu marido?
— Hã? O quê? - desta vez consigo uma resposta. Bom, nem tanto uma resposta, mas já valeu para que ele retornasse de onde quer que estivesse. O empurrão ajudou.
— O que você quer, Giulia? - pela fala truculenta, ele não gostou de ser interrompido em seus pensamentos. O mundo de si mesmo, porém, era necessário então respondo:
— Quero saber em que você está pensando!
— Nada! Nada! Deixe-me a sós! - esse é um grande erro. Deixar um alguém de seu círculo familiar de fora. E só piora, pois eu estou envolvida diretamente. Isso já não é mais querer me resguardar, mas sim, deixar de confiar.
— Você acha que eu não sei o que você já sabe? - mesmo de costas para mim, ele só vira a cabeça. Talvez envergonhado por eu ter tido ciência e me encarar nos olhos. Não precisava agir assim. Até parece que ele está cometendo adultério. Talvez esse seja o modo pai, protetor de ser.
— Mas como você...? - às vezes eu me sinto uma alienígena e que eu vim de outro mundo. Ou que ele me acha estúpida demais.
— Salviano, meu querido, em primeiro lugar é só ver que as coisas estão ao redor e nem digo que é preciso sentir, só olhar mesmo e, segundo, porém, não menos importante, sou mãe e eu sou mulher. Sei quando nossa filha está triste, angustiada, feliz, preocupada e o que mais se encaixa na situação, apaixonada. Desejando um alguém.
— Tudo bem, tudo bem, me desculpe! É que... - abraço-o e digo:
— Nossa menina cresceu! É hora de deixá-la voar e ir…
— Esse não é o problema, Giulia! Eu estou odiando esse momento, embora, eu sabia que era inevitável…
— Eu não entendo. Se você sabia que era inevitável que nossa filha ia se apaixonar, qual é o problema?
Toc... Toc... Toc…
— Entre!
— Tio, ele acabou de sair. E às escondidas! Como o senhor alertou! Ele seguiu a pé para a floresta negra.
— O que está acontecendo, Salviano?
— Romeu, pegue os cavalos e chame o José! Tudo de modo furtivo também. Não queremos perder o fator surpresa. - perfeitamente, tio!
— O que está acontecendo, Salviano? - dessa vez minha voz é mais abrangente ao que o pego pelo braço, mas não são essas intimidações que o fazem parar, mas sim, meu olhar preocupado.
— Eu sou mãe dela. Eu tenho o direito de saber! - acrescento.
— Tudo bem, Giulia. De fato você tem o direito de saber. - um silêncio perturbador recai entre nós, bem como, um respiro que vem lá de dentro, bem do fundo, trazendo consigo uma tristeza na qual ainda não decifrei.
— Estou correndo contra o tempo para, se Deus quiser, evitar que uma desgraça recaia sobre nossa família…
— Do que você está falando, homem? - já logo trêmula digo engasgada.
— Você está me assustando! - acrescento o que não quero, porém, necessário.
— A desgraça a qual falo é... é... nossa filha…
— Anda homem de Deus desembucha! Você está me deixando aflita demais!
— Nossa filha está apaixonada, como você disse enxergar ao seu redor, porém, o que você não viu e nem sentiu foi por quem.
— Quem poderia ser este homem por quem ela se apaixonou que seu amor é sinônimo de desgraça?
— Duran!
— Quem? Duran! O filho do meu irmão? - exatamente! Novamente, com uma palavra só dita, ele faz, de fato, meu mundo ruir.
— E o que você está tramando chamando o Romeu e o pai da Josefina? - ela me faz uma ótima pergunta. Pergunta esta que eu preferiria não responder e deixá-la não no campo da mais vasta ignorância, mas sim, no simples desconhecido, mas como ela é mãe, não posso deixá-la de fora e sou obrigado a dizer afirmando:
— Nossa família, Giulia, como você bem sabe, não é a das melhores, mas também não é a pior, embora, temos discussões, às vezes acaloradas demais, há mais amor do que qualquer outro sentimento ruim, o que é até normal, considerando a raça humana, mas o que quero dizer é que sinto já há um tempo que nossa família está se dividindo e, não é por uma questão normal, como se alguém fosse viajar, tentar a vida em outra cidade ou país, ou ainda se casar e ir viver outra vida em outro lugar, mas essa divisão —, sinto que é para sempre!
— Como assim?
— Não sei ao certo, mas sinto, ou melhor, vejo uma escuridão se aproximar. Tempos de solidão em um inverno rigoroso de sentimentos falhos e incompreensíveis. Uma tormenta de desespero e luta por sobrevivência.
— Assim você me assusta, Salviano! - minha intenção não era essa, no entanto, ao ouvir estas palavras, não só ditas com tristeza e pesar, mas elas falam por si próprias então, não há quem não se sinta assustado e preocupado, porém, infelizmente, essa é a mais pura e crua verdade que assolará nossa família. Não sei se ela terá início com este namoro proibido, o que será importante para o nosso futuro não tão próximo sabermos, mas no fundo um sentimento lá no fundo, uma luz piscando, me leva a crer que a causa, que todo nosso infortúnio começa com o namoro destes dois e, mesmo assim, vou correr contra o tempo e lutar do jeito que for, com as armas que tenho e com as que eu adquirir para impedir que esse levante contra a moral e os bons costumes siga adiante.
— O que você vai fazer então? - não posso ficar aqui de conversa. Preciso ir. Digo com a urgência necessária.
— Ah, mas você não vai me deixar aqui aflita desse jeito não. Conte-me! Agora! - ela me segura forte pelo braço. Eu sempre a respeitei como ser humano e mulher e, não será agora que começarei a desfazê-lo então…
— Vamos pegá-los e levá-los a Ianã!
— O quê? Você enlouqueceu, Salviano? Você não pode recorrer a sua…
— Não diga o final dessa frase, por favor!
— Você sabe o que ela fez. Você sabe o que ela se tornou. E pior, se é que existe o pior após as duas frases passadas, você sabe onde ela está. Além de que você nem consegue ouvir o que eu ia dizer.
— É nossa pequenina que está em jogo. É nossa família que foi posta em xeque e, eu sei que não foi por maldade, mas não posso deixar nossa família se desmoronar, Giulia. Por favor, não peça para eu não recorrer a ela quando, ou melhor, vou ser otimista, se precisar. - a situação é séria mesmo para ele recorrer a sua... não, não vou nem ousar pensar.
— Tudo bem! Pelo bem de nossa família, faça o que tiver de ser feito! - não só eu o abraço, como logo em seguida, beijo-o. Não um beijo de amor, ardente, pois a situação não pede, mas um beijo singelo de apoio. Saímos em direção ao destino de nossa família. E que este tenha ao menos a sutileza da solidariedade e não nos pregue uma peça.
NÃO MUITO DISTANTE…
— Você conseguiu, Duran, meu amor! - antes da resposta com palavras, dou-lhe um abraço apertado. Segundos depois solto-a, não que o abraço fosse não sincero ou não o quisesse fazê-lo, na verdade, se eu pudesse escolher, eu morreria nos braços dela, mas a preocupação me impede de ter um minuto que seja de sossego. Mas isso não me impede de presenteá-la com um olhar amoroso e um beijo cheio de desejo.
Sou eu quem o para, infelizmente. Pela sua atitude é fácil entender que ela queria que o beijo continuasse e também pelos seus olhos fechados. Embora, tudo já estivesse explícito, digo:
— Sim, minha bela, eu consegui! Aqui estão as passagens. - os olhinhos dela brilham. Mais do que o normal, na verdade. Isso me alegra imensamente. Assim como ela, eu penso que talvez nós tenhamos uma chance. Uma esperança consistente de sermos felizes longe de tudo e todos.
— Tome. Pegue a sua. - imediatamente ela pega a sua e sorri. Ela tem o sorriso mais lindo do mundo, mas agora, afortunado, presencio um ainda mais lindo. Não sabia de que ela era capaz de um assim. A felicidade já a invadiu e, começo a senti-la também em mim. Espero, sinceramente, que tudo dê certo para nós. Que tudo dê certo para dois amantes. Dois seres que só querem se amar. Viver. Serem felizes juntos. O que aqui será impossível. Com toda essa gente e suas manias, fantasias, especulações, delírios, desvios da verdade e superstições escabrosas que deturpam a realidade e fere a quem não as compartilha. Recebo um abraço! Mesmo detrás de uma árvore centenária e larga fecho meus olhos por um instante para contemplar, sentir, o que é o abraço feliz de alguém que amo!
— Achamos vocês, seus depravados!
— O quê? Soltem-na seus…
— Duran, meu sobrinho mais forte, mais inteligente e o mais cotado para ser o rei de nossa família, rogo-lhe em nome desse amor e respeito que nutrimos, todos nós da família Elron, sua família, e em especial em nome de seu pai Deusdécio, a quem você ama demais, não siga adiante por este caminho, não alimente este amor que nasceu não sei como e quando ou onde.
— Tio, o senhor me pede para deixar de viver, de sentir, de respirar, de amar —, pois tudo que sou está diante de você agora!
— Eu sinto muito então, meu sobrinho!
Traack… - eu levo uma paulada na cabeça, mas mesmo assim não me desfaço, não me entrego, e lutando para não desmaiar, vejo-a lutando contra, mas ela não escapa. Ela pode estar sendo agarrada, mas sua boca profere o que quer. Tenho a certeza de que são palavras apropriadas para nossa salvação, nossa libertação, mas tenho a certeza também de que certamente estão sendo ignoradas. Meu tormento só aumenta antes de eu…
— Deixem-nos em paz, seus mal amados! Seus cabeças ocas. Seus…
— Cale-se! - huu... huu... huu... eu sou amordaçada e só consigo mesmo é murmurar. Matarem-nos eles não vão! Nosso destino me intriga e ao que este está nas mãos de gente presa ao passado, a superstições retrógradas. Logo em seguida sou encapuzada e não vou ver onde estão nos levando. Só faz aumentar meu desespero. Nem tanto por mim, mas mais pelo Duran, pois homem desde o início dos tempos é tratado de forma bruta, rústica e quase sempre, leva o peso da culpa…
— Sigam-me! - adentramos na Floresta do Medo, ainda que, sob uns protestos veementes. Ao passo que Giulia já começa a questionar meus métodos, porém, não posso fraquejar agora. Eu odeio este ser, este monstro, não porque agora ela agora é uma morta-viva, mas não ousaria chamá-la de ser humana se ela não estivesse nessa condição, mas não tenho outra escolha. O único problema agora é se ela vai aceitar fazer o que preciso. Ignoro as falas contínuas de minha amada esposa, agora muito preocupada, e falo baixinho:
— Ianã, feiticeira do submundo, rainha dos mortos, guardiã dos feitiços e conhecedora do mal, dê-nos passagem segura através de sua floresta e abra sua porta para nos receber! - pronto! Os dizeres foram ditos.
Shhuuu… - eu continuo o caminho na certeza de que tivemos sua permissão, pois nada de ruim nos aconteceu ao que somente uma voz melódica assolou meus ouvidos e um vento forte e frio nos abraçou a todos.
— Então, são estes os seres depravados! - chegamos a um lugar onde desconheço a voz dessa pessoa. Pessoa essa, infelizmente, do mesmo tipo dos que nos trouxeram, pois sua fala prova isso e, sem mencionar que somos presos por nossos próprios parentes. Assim que me tirarem a mordaça, eles vão ouvir umas verdades…
— O que faremos com eles, feiticeira? - pai? Não pode ser! Ou eu devo estar ouvindo demais? Quando eu fui presa, o meu pai não estava envolvido nisso. Pensei, ainda que de relance, ter o seu apoio.
— Espero que nada que fira com sua vida! - mãe? Ela também está nisso? Agora sim estou começando a me preocupar e temer por nossas vidas. Mesmo que a fala dela seja contrária a este pensamento que é a única coisa lúcida e real no momento. Debato-me porque é a única coisa que me restou a fazer e também murmuro, mas continuo do mesmo jeito. Pelo visto, Duran ainda está desmaiado, pois não o vendaram ou amordaçaram, portanto, se estivesse acordado, a par de tudo, já teria dito algo ou, pior! Algo horrível passa pela minha cabeça e não é à toa. Mas muito pelo contrário, é bem relevante ao nosso caso: e se deram um sumiço nele? Penso, o mataram? Isso me deixa louca e me debato tanto…
— Huurrr... – desprendo-me de onde eu estava, mas ao cair ao chão bato a cabeça. Que dor!
— São vocês mesmo! Mãe! Pai! Ajudem-me! - eles, para minha surpresa, permanecem estáticos.
— O que há com vocês?
— Eles não podem falar aqui, Norah! - o quê? É a única coisa que consigo dizer, não só devido ao meu espanto como também os ouvi falando, então, resolvo questioná-la:
— Eu acabei de ouvi-los falarem!
— Eles não podem interferir agora, a partir do momento que seu capuz foi tirado! - o quê? Como assim? Pergunto sem entender nada.
— Essa atitude é para que eles não interfiram no que vai acontecer! - ela diz de modo sinistro ao que caminha em minha direção. Isso me assusta! Ainda mais porque ela estende a mão em direção ao meu peito.
— Aaahhh... aaahhh... o que é isso? O que você está fazendo? Aaahhh…
quem é você? Ou melhor, o que é você? - agora eu entendi o “para que eles não interfiram no que vai acontecer”. Mesmo que interferissem, não faria diferença, pois ela já começou sei lá o quê. Só teria ajudado, de fato, se eles impedissem “isso” ou não chegassem ao ponto de sugerirem isso, pois se bem os conheço, foram eles quem devem ter tido essa ideia maluca. E dolorosa!
— Aaaarrr... você... você... você é uma —, feiticeira! Pensei que eram somente histórias. Histórias para assustar.
— Eu não a assusto? - eu já diria que “sim” para sua aparência, agora mudo para “com certeza” para a dor que ela sabe causar.
— Aaaarrr... - não suportando mais a dor e também sem entender o porquê, pergunto:
— O que você pretende com tudo isso? Aaarrr... chega a ser intencional! - ela não me responde. E nem poderia devido ao fato de que seus olhos branquearam por completo, sumindo tanto a íris quanto a bola negra. O que comprova que ela está em transe. Ou recebendo algum espírito ou divindade. E porque não, um demônio, já que ela está a me fazer um mal danado.
— Aaaarrr... - embora, não nos misturamos, seja por qualquer perspectiva, a dor se torna nosso elo.
— Mas eu não consegui... - ou outra coisa nos une. A minha resignação encontra a decepção dela que é tanta que a faz sair de seu transe e até sua fala prova isso. Ainda não sei o que ela queria, mas sua frustração me preocupa de certo modo, pois não sei o que ela pretende posteriormente. Resolvo questioná-la:
— O que você estava a fazer? O que você quer? - ela não me responde. Ao menos não com palavras, mas virando as costas para mim. De modo brusco até, no entanto, compreensivo tendo em vista que ela não está nada feliz.
— Nãoooo... - o meu amado é descoberto de seu esconderijo e revelado de seu cativeiro, ele está desacordado! Preocupada eu não deixo de estar, porém, um acalento me invade, pois morto ele não está. Grito seu nome. Sem resposta.
— Saia de perto dele, sua demônia!
— Não fale assim dela, Norah! - minha mãe sai de seu estado petrificado e me repreende. Ainda que em sussurro. Realmente, eu não sei se fico feliz ou triste. Eu resolverei essa questão com meus pais depois, pois o mais importante agora é o meu amor.
— Eu não estou nem aí para ela, mãe. Ela é uma feiticeira do mundo dos mortos, sabia? Sabia, meu pai? E mesmo assim, com a reputação que ela tem vocês se uniram a ela contra mim. Contra mim! - queria resolver isso depois com eles, mas não deu. É muita revolta.
— Não toque nele, feiticeira! - debato-me desesperadamente, pois ela o tocou no rosto ao mesmo tempo em que tem o poder de não só erguê-lo, mas também de acordá-lo. Aproveito este momento e chamo por ele.
— Norah? É você? - com voz fraca ele atende ao meu chamado. Eu fico contentíssima por ele ainda estar não só vivo, mas como também se lembrar de mim, tendo em vista com o que e não quem nós estamos lidando.
— Minha filha, pare de se meter! - o quê? Digo com tom alto simbolizando mais revoltada do que surpresa com meu pai. E acrescento que estou muito desapontada com eles. Eu esperava qualquer coisa de qualquer pessoa, mas não deles. Que deveriam me proteger e não fazerem…
— Mas isso é proteção, minha filha! - minha mãe entra na conversa tentando argumentar.
— Como tirar o amor de alguém pode ser proteção, mãe? Explica-me! Por favor. Eu não consigo entender.
— Ele é seu... - todos ficam mudos, mesmo tendo não só coisas a serem ditas, e relevantes, suponho, sendo o mínimo que eu espero, devido à conversa, mas também as bocas nitidamente se movimentam, mas nenhuma palavra sai delas. Como eu ouvi da outra vez, isso é para que não atrapalhemos a feiticeira. Isso não está certo! Nada aqui é natural! Nada do que acontece aqui pode ter um resultado harmônico, natural, certo. Duran começa a gritar! Assim como eu. É obvio que não agüento vê-lo sofrer e berro mais do que ele. Obviamente que ninguém me dá atenção e me desespero pelo único que poderia fazê-lo, mas está impedido pela dor. Dor esta que sei o quão profunda e dolorosa ela é e, somente torço para que ele resista, assim como eu. Para que o amor dele por mim resista, assim como o meu. Que o amor dele seja mais forte do que a dor.
Ela está se esforçando, eu devo admitir, para tentar remover o amor de dentro de nós. De dentro de nossos corações!
— Resista, meu amor! Por favor, resista! Você consegue! Resista, Duran! Resista por nós! - somente murmuros é o que eu produzo, mas ainda sim, eu consegui gritar o que eu queria. Mesmo ela em transe, o feitiço consegue me parar. Mas se ela pensa que isso me deterá, ela está muito enganada. Eu fecho meus olhos e nada de pensar, mas sim, sentir e transmito o meu amor, bem como também, coragem.
Ciente de tudo o que está acontecendo, eu testemunho o que eu já sabia, ou melhor, o que meus sentimentos já me diziam, ela também falhou ao extrair o amor de meu amado que mesmo sofrendo, resistiu! Assim como eu!
— Que bom que você resistiu, meu amor!
— O que está acontecendo aqui, Norah?
— Essa feiticeira do mundo dos mortos está tentando retirar o nosso amor!
— O quê? - ele apresenta a mesma incredulidade em um primeiro instante e, como ser diferente? Saber, ou melhor, ouvir essas coisas é uma coisa e estar envolto a elas é outra bem diferente. Mas o mais importante é que ele resistiu. Agora, creio eu, ela não poderá nos fazer mal.
— Vocês, saiam daqui imediatamente! - acho que errei sobre isso. Instantaneamente meu corpo congela por dentro. O simples ato em respirar me é retirado por medo do que está por vir. A feiticeira manda meus pais saírem. Pelo visto a coisa vai ficar feia. Eles a questionam e ela responde que nenhum mal acontecerá a mim. Isso é impossível do ponto de vista amoroso, pois o que mais estão a fazerem aqui é me machucar. Eles obedecem, como a súditos de um rei, sem questionarem, e pior, sem olharem em meu rosto, pois sabem se o fizerem, a vergonha os atingirá. E pior ainda, a cada passo da saída o remorso começa a os acompanhar e estarão com eles por onde forem. Hoje é um dia triste. Hoje é o dia em que perdi, nesta casa maldita, neste chão amaldiçoado, o meu amor sincero por eles. A quem estiver disposto a procurá-lo o encontrará aqui e não nascerá uma flor bela e formosa, mas sim, neste lugar, a terra morrerá e o chão secará. A minha tristeza o adubará e nascerão galhos secos e contorcidos.
— Deixe-me aproximar de meu amado! - não sei se ela está em transe e, naturalmente, não pode me ouvir ou se não quer mesmo responder. Nada mais é irritante do que isso. Falar com alguém e não ter uma resposta. Ser ignorada. Como eu não sei bem ao certo o motivo, eu resolvo perguntar de novo:
— Deixe-me aproximar de meu amado! - novamente o silêncio vem como uma faca e me atinge em cheio me perfurando lentamente e causando dor. Eu resolvo mudar a estratégia dizendo:
— Você nunca amou?
— Uuuaaarrrggg...
— Aaaarrr... - sou pega pelo pescoço com força que chego a me incomodar com o ataque. Mas o que mais me apavora, ou devo pensar, mais me intriga, foi que ela se moveu tão rápido que nem notei. Sem mencionar o berro assustador e, não pelo tom, mas pela palavra, ela sentia dor. Eu posso estar errada, mas foi isso mesmo. Eu sou mulher. Eu entendo dessas coisas.
— O que você sabe sobre amor, criança? Você acha que este sentimento infantil que nasceu com a única pessoa diariamente presente em seu convívio, em seu círculo pessoal significa amor? Você acha que só pronunciar “eu te amo” já conta como estar apaixonada? Você acha que cartas de amor com frases pré-prontas significam amar de verdade? Ou pior, você acha que um rosto bonito é sinônimo de amor? Ou de ser amada? Você acha que tramar fugir significa que você está vivendo um grande amor? Você não sabe o que é amor de verdade! Você não sabe sequer o que é ser amada! Ou amar alguém de corpo e alma e ser traída. Trocada por outra de menor valor em moralidade e retidão.
— Não queira comparar a mim ou a qualquer outra pessoa com os acontecimentos da sua vida, feiticeira. As pessoas não são iguais, você sabia? Se alguém a traiu, eu sinto muito, pois isso jamais deveria acontecer com ninguém, mesmo com a pessoa merecendo, pois deve machucar muito o coração e, eu sei, deve doer tanto que nem deve cicatrizar, mas...
— Nada de, mas...
Chega dessa conversa moralmente correta que não te levará a lugar algum, no entanto, eu tenho um lugar a ir. - não sei aonde ela vai, mas ela encerra a conversa que eu ainda tinha mais o que dizer, me dá as costas e eu vejo-a começar a pegar jarros que...
Não dá para ver daqui o que tem dentro.
— Duran! Duran, meu amor!
— Norah! - coitado! Com uma voz fraca ele me responde. Ainda bem que o consegue fazê-lo. Isso me alegra um pouco, mas ainda estou receosa com o que irá acontecer.
— Duran, aguente firme, meu amor! Eu vou tirar nós dois daqui!
— Você sempre foi a mais forte da nossa família, Norah. Bem como, a mais esperançosa, mesmo quando não mais havia esperança.
— É preciso, meu amor, sobretudo neste momento difícil.
— Nós não sairemos vivos daqui!
— Não diga isso, por favor. Assim como, não se entregue! Se entregue a mim! Vamos! Ainda dá tempo. Ela não fará mal a mim, pois meus pais... quero dizer, umas pessoas acertaram isso com ela. Eu nem imagino qual foi o pagamento, mas me dá nojo só de pensar. Entregue seu amor por mim para mim, pois só assim ele estará a salvo de ser...
— Ele não tem forças para isso, sua tola. Bem como, ele não...
Espere um segundo! O que foi que você disse? - não sei sinceramente que parte ela quer que eu repita, mas eu fico em silêncio.
— Você disse em alto e bom som: “entregue seu amor por mim para mim”! Esta é uma fala típica de quem conhece, ou melhor, não só conhece como pratica feitiçaria.
— Não tenha a petulância de me comparar a você, demonia sem alma! Eu só disse isso para manter o amor dele a salvo de você em um lugar seguro.
— Talvez, minha cara. Talvez, menina!
1 rabo de rato
2 tufos de pelo de lobo
1 dente de leão
2 pitadas de raspas da unha do pé de um defunto homem
1 pitada de sal
1 fio de cabelo da pessoa...
E...
— Minha nossa! O que ela está fazendo?
— Não seja ingênua, meu amor. Ela está fazendo um feitiço e estes são os ingredientes. Agora, para qual finalidade é que ainda não sei. Ou sei. Certamente algum feitiço para que eu deixe de amá-la. E pelo o que eu já ouvi esses feitiços são poderosíssimos e impossíveis de serem quebrados.
— Que certamente, não funcionará!
— Menina tola. Todos os meus feitiços funcionam. Não me tome como uma charlatã. Meu conhecimento vem do inferno, onde transitei por trinta e sete dias e voltei ao mundo dos vivos a mando de Lúcifer, portanto, acredite nas palavras de “seu amado”. - eu não posso acreditar que o Duran disse isso. Ou pior, que ele acredita nisso.
— Demônios do submundo, abram os portões do inferno... - eu não acredito que estou vendo isso. O chão se abre e um caldeirão enorme sobe. Logo em seguida o fogo acende por debaixo onde já várias lenhas estão posicionadas. Como pode isso ser —, real? Ela abre um por um os frascos que ela contou antes e joga os ingredientes que o Duran havia me avisado. Com algo assim sendo testemunhado pelos meus olhos ainda que incrédulos, eu acho que ele tem mesmo razão ao dizer que os feitiços dela são poderosíssimos e inquebráveis.
— Norah, quem mandou você pensar em uma coisa dessas, sua idiota? - digo a mim mesma ainda que em voz baixa, mas é só para me situar e voltar a ser o que eu sou: esperançosa!
— Duran, meu amor, não importa que o feitiço dela seja feito com base nos poderes do inferno, o que realmente importa é no que nós acreditamos. Está me ouvindo? O que realmente importa é no que nós sentimos um pelo outro. Está me ouvindo?
—... e Lúcifer libere suas energias para que este ser, Duran, seja amaldiçoado para sempre a vagar sem rumo em noites de lua cheia devorando as presas que melhor lhe convier sem a menor noção de seus atos...
— Devorando? O que isso quer dizer? Duran, resista! Por favor! - eu começo a chorar por puro desespero. Logo em seguida eu me recomponho, pois a situação exige e...
— O que será que está acontecendo lá dentro, Salviano? Eu acho melhor nós...
— Intervirmos? Não é isso o que você ia dizer, Giulia? Não, meu amor. É melhor não! Em primeiro lugar, fique tranquila, pois Ianã disse que não fará mal a nossa filha. Lembre o que prometemos dar a ela. E segundo, nós podemos desencadear a fúria dela sobre nós. Ou pior, recebermos uma parte do feitiço ao adentrarmos em pronta invasão. Acalme-se, por favor. - eu acho que estou completamente arrependida de ter concordado com essa sua ideia. Que espécie de mãe eu sou. Como eu pude, justamente eu que sou uma pessoa completamente centrada, e neste caso, amorosa, pois se trata da minha única filha, ficar de braços cruzados. Eu só poderia estar cega. Talvez ainda haja tempo para...
— Você bem sabe o que eu vi que acontecerá a nossa família se este namoro pecaminoso continuar. É completamente compreensível que você pense assim, que se sinta assim, arrependida, mas confie em mim, esta é sem dúvida a melhor opção para todos. Depois tanto você quanto nossa filha irão me agradecer. - oh, sim, é claro. Ele mais do que depressa vem clarear minha mente e joga o motivo de eu ser tão passiva nesse momento na minha cara. Mas será que esta é a atitude certa a se tomar? Um suposto destino baseado em uma visão não pode ser considerado. Muito menos se quem o viu foi Salviano, um homem descrente de tudo. Talvez a atitude mais acertada seja aceitar um destino cruel e sombrio, caso este seja mesmo verdade, para o bem de minha filha, a felicidade de quem eu mais amo, do pedaço de mim, esteja assegurado. Eu resolvo dizer o que vou fazer:
— Eu gostaria de ter esse seu entendimento da situação, Salviano, bem como, os desdobramentos, mas eu não consigo, infelizmente. Eu vou entrar lá... - ele me agarra pelo braço. Em seguida me olha com uma cara de quem não gostou, mas é a verdade e, eu tive de dizer o que penso e eu faço força para tornar minha atitude — uma realidade.
— Não faça isso, Giulia. Por favor, não faça.